Estamos novamente em março! Mais uma vez, retomamos o espaço cultural para reflexões sobre o feminino a partir do tempo verbal, ou seja, o plural elas no singular de algumas mulheres – Tarsila do Amaral, Elis Regina e Paulinha Abelha. Estas que partiram glorificadas e muito cedo e aquela preservada viva, apesar da glória.
Não tem como pensar na brasileira/francesa Tarsila do Amaral sem o famoso Abaporu e sua situação inovadora em acordo com a arte moderna e o movimento antropofágico. Buscando informações sobre Tarsila, encontrei o significado do título dado ao famoso quadro de sua autoria. A reação de susto/surpresa tanto do Oswaldo de Andrade quanto de Raul Bopp, que comentaram: “Isso é como uma coisa como se fosse um selvagem, uma coisa do mato”, coincidente com o pensamento dela, que a partir daí buscou uma palavra indígena para nomear sua produção, encontrando Abaporu (abá = homem e poru = homem que come carne humana).
Sobre a pimentinha Elis Regina e seus sucessos estrondosos, lembramos de suas próprias palavras ao explicar o significado do espetáculo “Falso brilhante”: ... foi a eclosão de uma guinada que começou há seis anos. Foi mais ou menos como um quebra-cabeça, juntando pecinhas. E o problema todo era reconstruir esse quebra-cabeça. A conclusão foi uma explosão para ser aquela e acabar. Estou dizendo que estou viva, quero fazer minhas coisas, continuar não aceitando a rotulação de fora para dentro, de cima para baixo. E vou continuar a vida inteira de camicase por uma questão de temperamento. É isso que me faz ficar de pé, me instiga, me põe em questionamento eternamente.
Quanto a Paulinha Abelha, do grupo “Calcinha Preta”, falecida repentinamente em decorrência da falência sistêmica de órgãos vitais, sem muita explicação médica coerente e muitos boatos sobre o motivo do coma agudo e irreversível numa jovem em plena atividade profissional/produtiva! Sabemos que ela lutava contra a facilidade para engordar e a pressão profissional de se manter magra e jovem, bem como as dificuldades nos relacionamentos amorosos frente ao desejo sempre presente no feminino de maternidade responsável e compartilhada. De pequenos desmaios e enjoos para coma irreversível num piscar de olhos.
O poder e a glória são situações desafiantes para a vida, uma vez que alimentam e destroem de um só golpe o amor por si mesmo – narcisismo. De acordo com o mito, Narciso enamorou-se loucamente pela própria imagem refletida no espelho d’água e mergulhou para abraçá-la. Como era apenas uma imagem refletida, caiu no vazio apavorante, que não lhe dava pé!
Ilcea Borba Marquez
Psicóloga e psicanalista
e-mail: ilceaborba@gmail.com