ARTICULISTAS

Errância existencial

Existimos no mundo em função de um projeto que supera os limites do agora, estendendo o presente para um devir (futuro) e acolhendo em contigüidade o tempo histórico (passado),

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 15:12
Compartilhar

Existimos no mundo em função de um projeto que supera os limites do agora, estendendo o presente para um devir (futuro) e acolhendo em contiguidade o tempo histórico (passado), onde as ações praticadas se tornam atividades dirigidas para as coisas e as pessoas assim se constituindo numa conduta de vida. Este projeto dá sentido aos nossos atos mesmo que a questão do sentido nos escape. Por ele reconhecemos e afirmamos “isso sou eu” “isso fui eu que fiz”! Nesta assinatura, nos identificamos e nos diferenciamos; vivemos nossa singularidade sem perda da noção do outro.

Este processo de vida é o esperado, o desejado e saudável; no entanto, alguns pautam sua existência numa errância que nos faz refletir sobre o significado da repetição sucessiva de ações onde os acontecimentos anteriores não redundam em mudanças significativas mesmo depois de sofridas emoções. É assim com os drogaditos, que transfiguram sua existência a partir do lugar onde colocam e significam o produto tóxico. Este adquire um valor sagrado, pela sua capacidade de gerar no sujeito a experiência repetida do “tempo do sonho”, onde ele pode se saturar de potência, viver comportamentos ritualizados e uma existência amorfa.

Erick Jean-Daniel Singainy critica a sociedade atual que pretende “esquartejar” o doente toxicômano, quando lhe tenta confiscar o gozo da autodestruição ou da desrazão. Retoma um poeta do século XIX, Gerard de Nerval, quando nos fala da sua experiência: “Vou procurar... transcrever as impressões de uma longa doença que se desenrolou completamente nos mistérios de meu espírito; e não sei por que me sirvo deste termo – doença –, pois jamais, em relação a mim mesmo, me senti melhor. Às vezes, acreditava ter duplicado minha força e minha atividade; parecia que sabia tudo, compreendia tudo; a imaginação me trazia delícias infindas. Recobrando o que os homens chamam de razão, seria necessário lamentar havê-la perdido.”

O usuário de drogas, em primeiro lugar, esquece de si mesmo; depois, esquece este mundo comum, onde se encontra o outro, torna-se indiferente à solicitude, incapaz de pertencer verdadeiramente à comunidade do nós, busca sensações fortes ou o efeito de vertigem no limite da vida e da morte – a abolição dos limites entre a vida e a morte é procurada para sustentar seu desejo até o limite extremo.

(*) psicóloga e psicanalista

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM OnlineLogotipo JM Online

Nossos Apps

Redes Sociais

Razão Social

Rio Grande Artes Gráficas Ltda

CNPJ: 17.771.076/0001-83

Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por