A tarefa educativa paterna, em seus desafios nem sempre muito claros, angustia na exata medida da sua obscuridade. Assim os pais se interrogam sobre coisas do dia a dia sem conseguir uma resolução capaz de diminuir o mal-estar. São várias as questões em abert videogames de lutas, competições e destruições devem ser liberados às crianças? Devemos incentivar ilusões como a crença em Papai Noel? As brincadeiras com baralho podem favorecer uma conduta adulta de vício nos jogos de azar?
Enriquez, E., Da Horda ao Estado – Psicanálise do Vinculo Social escreve: “O homem não pode viver num mundo construído só de proibições; para que o poder se afirme e dure, é preciso que ele seja contestado.” Também encontramos em Bataille o seguinte: “A transgressão não é a negação da interdição, mas ela a ultrapassa e a completa.” Ao longo do tempo as sociedades incluem nos rituais sociais momentos “coringa” – quando há a liberação da interdição em situações e lugares precisos, o que possibilita a própria proibição.
Voltando às perguntas dos pais esclarecemos que o objetivo das brincadeiras que envolvem agressividade e ilusões infantis é o extravasamento não apenas da violência, mas também a festa, não apenas a luta, mas também a brincadeira. O homem é lúdico e se uma sociedade não poderia viver só de festas; também não sobreviveria num ambiente só de repressões e recalques. No primeiro caso o resultado seria a decadência dos costumes, o aperfeiçoamento de práticas perversas, a impossibilidade de obrigar as pessoas a trabalharem para garantir a própria subsistência de todos; no segundo caso a constituição de uma sociedade de mortos-vivos – totalmente ascéticos e puritanos. Torna-se necessária a garantia de um espaço e tempo onde a violência agressiva e o desejo de diversão possam existir e coexistir, momentos sociais onde a desordem possa encontrar seu lugar, a discórdia reinar, onde tudo aquilo que se encontra bem classificado sucumba à confusão, assim como a função exercida pelo “coringa” no jogo do baralho.
O “Bom Velhinho” faz parte de um mundo infantil onde a crença na igualdade é dominante, um tempo de construção do aparelho psíquico onde a criança ainda não conceitua o diferente: se todos são filhos do Papai Noel e, anualmente recebem presentes que ele lhes envia, somos todos irmãos e iguais. Posteriormente, quando a desigualdade pode ser assimilada adequadamente a ilusão se desfaz, sugerindo também que não vivemos totalmente à mercê da racionalidade lógica, existem momentos de não submissão à razão e à consciência – um tempo de liberdade e fuga do aprisionamento egoico. Lembremo-nos da frase de Mauss: “Os tabus são feitos para serem violados” porque só assim eles se mantêm.
(*) Psicóloga e psicanalista