Se isolamos pessoas que transgrediram as leis sociais em prisões é porque consideramos esta ação um castigo para o transgressor; quando encontramos aqueles que voluntariamente se internam por um período limitado ou não, somos instados a tentar compreender melhor estes locais e estas pessoas. Este é o caso dos participantes dos atuais reality show ou dos conhecidos conventos. Vimos na semana passada (já estamos no décimo Big Brother) que estas internações levam a transformações na esfera do Eu. Os novatos chegam aos estabelecimentos com uma concepção de si mesmos, nascida de uma síntese entre os vários papéis que desempenham, bem como pela internalização constante das auto-avaliações e das mensagens identificatórias recebidas. Ao chegarem seu Eu é sistematicamente mortificado e passa por mudanças radicais em suas crenças a respeito de si mesmo e dos outros. Este processo de mortificação se dá da seguinte forma: na vida civil, a sequência de horários dos papéis do indivíduo lhe assegura que um papel não impeça sua realização e suas ligações com o mundo. Nas instituições totais, ao contrário, a participação automaticamente perturba a sequência de papéis, pois a separação entre o internado e o mundo mais amplo é integral e pode continuar por mais tempo. Por isso ocorre o despojamento do papel.
Embora alguns papéis possam ser recuperados depois do período do internamento é claro que alguns são irrecuperáveis. Pode existir uma quebra no ciclo vital – o tempo não empregado no progresso educacional ou profissional, no namoro, na criação dos filhos, o que é conhecido como “morte civil”.
Frequentemente o internado passa por “rituais de admissão” – elaborar uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões digitais, atribuir números, procurar e enumerar bens pessoais para que sejam guardados, despir, tomar banho, desinfetar, cortar os cabelos, receber as roupas da instituição, ser instruído quanto a regras, instalar-se num lugar. A partir de então, ele está programado ou enquadrado, formatado e codificado num objeto que pode ser colocado na máquina administrativa do estabelecimento. Normalmente estes rituais de admissão incluem um “teste de obediência” ou um desafio de quebra de vontade. De acordo com o desempenho do interno ele receberá seu primeiro castigo, visível e humilhante. Os prêmios esperados pelos que procuram estas instituições totais voluntariamente são comparáveis aos ataques e mortificações recebidas?
(*) psicóloga e psicanalista