As ações passionais têm lugar e estatuto cultural. Muitas vezes são consideradas as motivações passionais para absolvição ou definição de penas aos réus confessos. Nesta semana, mais um crime hediondo foi cometido e as notícias falam sobre “motivação passional”, recolocando o tema para discussão.
Seguindo as ideias de Roland Gori – Lógica das paixões –, analisamos o amor e o ódio como complementares, e não antagônicos ou contraditórios uma vez que um sempre conduz ao outro e os encontramos também nos profundos sentimentos vivenciados pelo sujeito em relação a si mesmo. Gori modifica a questão da seguinte forma: por que o humano, desde a sua origem, não para de se precipitar em sua autodestruição por meio do outro?
Pierre Fedida (O lugar do estrangeiro) nos diz que: no seio da linguagem situa-se este outro virtual, esta presença simbólica que constitui o verdadeiro interlocutor para quem dirigimos a mensagem e a recebemos de volta de forma alucinada. Dessa forma, Fedida reconhece em todos os humanos uma estrutura psicótica que permite a civilização e o processo de aculturação. Portanto, não é preciso ser louco para matar, já que todos o são. Pelo contrário, “qualquer um pode matar o outro sob o domínio de uma agressividade desencadeada pelas circunstâncias ou por seu valor desencadeador” (Gori) já que a paixão amorosa flerta sem cessar com a ideia da morte e da destruição.
Como elemento diferenciador, sabemos que “o neurótico fere a si mesmo como gostaria de ferir o outro, enquanto que o psicótico ou o delirante passional ferem o outro ali onde foram atingidos”, o que aproxima até o ponto da indiferenciação a vitima e o agressor. Se escutamos o discurso da vítima ou o do assassino, compreendemos a reciprocidade e mesmice de ambos.
Sujeito e objeto não se opõem; eles se complementam, assim como amado e amante, porque um busca no outro aquilo que lhe falta, criando ao mesmo tempo a diversidade ou o estranho que podemos equacionar da seguinte forma: por não poder suportar que o ser seja constituído, dos pés à cabeça, tanto em sua gênese quanto em sua função, pela falta em ser, o sujeito busca no outro o que não tem, objetivando uma completude ou uma experiência de totalidade que nada mais é do que ilusão. Os desmentidos repetitivos geram ressentimentos que podem ocasionar o ódio, assim como a positividade no outro do desejado, a inveja que nada mais é do que retirar dele o que desejo no sentido de usurpar. Como os romancistas intuem o que os teóricos se esforçam por compreender pela razão, cito Roger Nimier: “Não odiaríamos se não tivéssemos que nos odiar ao mesmo tempo”.
(*) Psicóloga e psicanalista