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Ídolos de Bacon

A possibilidade de representar o mundo externo internamente através de imagens ou simplesmente poder imaginar as coisas e pessoas que nos rodeiam se, por um lado, foi fator fundamental

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 11:55
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A possibilidade de representar o mundo externo internamente através de imagens ou simplesmente poder imaginar as coisas e pessoas que nos rodeiam se, por um lado, foi fator fundamental para o desenvolvimento do homem pela condição assim adquirida de fazer cultura, por outro, criou também o engano, o semblante, o que poderia ser, mas não é. Ídolos de Bacon, segundo Aurélio, referem-se à tendência humana para emprestar realidade a coisas que simplesmente se imaginam ou desejam; em outras palavras, para criar mundos fictícios. De tempos em tempos, alguém ocupa este lugar de ídolo de uma geração ou de uma tribo, e foi dessa forma que o cantor, dançarino e compositor Michael Jackson ocupou um lugar de destaque nos anos 80 e 90. Sua morte comoveu a todos, entristeceu a muitos...

Um ídolo seduz, encanta, apaixona... tudo isso se dá devido à sua opacidade, que assim serve de argamassa pronta a receber o molde ideal de cada indivíduo a ele identificado. Os idólatras projetam nele seus ideais e até mesmo seus sonhos plenos de perfeições e, ao longo do tempo, aguardam ansiosos a confirmação deles nos atos do seu ídolo. Evidentemente, que a única possibilidade para tanta ficção é a desilusão maciça de cada um e de todos até mesmo do astro incapaz de entender todos os pedidos endereçados a ele, como também satisfazer a tantas projeções.

Neste domingo passado, os canais de televisão relembraram shows de Michael Jackson e, então, pudemos reparar a idolatria, os olhares apaixonados, as declarações amorosas gritadas, os prantos incontroláveis dos fãs! Ao vê-los em tão clara veneração, alguns pensamentos se impõem: o que será que cada um deseja deste jovem? O que cada um espera e acredita existir nele? As mensagens cênicas mostravam uma figura mais nova, menor e fraca, que, no entanto, era o rei, uma vez que os companheiros de palco eram todos mais velhos, musculosos e fortes; a coreografia era comum a todos, mas o rei desempenhava com muito mais graça e perfeição; o rei também dominava o fogo e as luzes, encarnando assim um deus em perfeição e força, capaz de reinar sobre todos os mortais, e que era ao mesmo tempo cada um deles: mais novos, menores e mais fracos. Pobre Michael! Além de se ver frente aos percalços do seu próprio viver, ainda sentia a pressão afetiva de tanto deslumbramento; além de ter que enfrentar suas próprias cobranças idealizantes, ainda carregava o fardo de tantas e tão altas esperanças!

(*) Psicóloga e psicanalista

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