Quando alguém governou os homens por muito tempo, quando acredita ter trabalhado pelo bem comum, quando conhece as penas que custa esta tarefa, e percebe, de repente
Quando alguém governou os homens por muito tempo, quando acredita ter trabalhado pelo bem comum, quando conhece as penas que custa esta tarefa, e percebe, de repente, que nunca foi amado nem compreendido, mas somente suportado, então nasce-lhe uma grande amargura, e pergunta a si mesmo se não haveria melhor emprego a fazer da própria vida.
Neste momento acontece uma reviravolta e os cuidados amorosos de antes se tornam sentimentos de ódio. Aqueles que foram alvo de seus pensamentos e preocupações, aqueles pelos quais se dedicou com a brandura materna ou a proteção paterna, agora são vistos e sentidos como verdadeiros inimigos. Os planos, as ações corretas, os prazos cumpridos de repente se transformam em motivos de raiva e talvez até mesmo ódio – um ódio dirigido aos objetos/coisas como se fossem pessoas. Tudo isso porque as aclamações de antes são os insultos de agora, os aplausos anteriores são zombarias e críticas impossíveis de serem superadas sem ressentimento. Há muito conhecemos o dizer popular que o povo tem memória curta e o anjo protetor de agora pode ser o demônio diabólico de depois.
No entanto, é imperioso um ato de contriçã quais os motivos da mudança?
Será tudo consequência do poder? Existem fatalidades inerentes ao poder?
Por que a culpabilização de todo mal ocorrido – das misérias, às fomes e acidentes naturais?
O homem de Estado, das alturas em que exerce o poder, protegido por todo o arsenal armado, político e policial, sentindo-se inacessível na sua carne, acredita agir buscando o bem de todos; acredita dirigir suas ações condenatórias às oposições que reduz a símbolos que apaga, mas, na verdade suas ações se dirigem a seres humanos, a pessoas, isto é, seres semelhantes e não apenas princípios e erros. Neste ponto encontramos as bordas tênues que delimitam um tempo do outro – o tempo da glória do tempo da derrota. Isto nos lembra Churchil, que logo após sua liderança vitoriosa aos britânicos na Segunda Grande Guerra perdeu a eleição nacional para Primeiro Ministro – porque mesmo quando somos punidos por motivos falsos, há sempre uma causa verdadeira para nosso castigo. Todo ato injusto, mesmo cometido por causa justa, leva em si a maldição.
(*) psicóloga e psicanalista