“A Religião é a neurose universal da humanidade.” Esta fala de Freud continua impactando pensadores pela compreensão devida do seu sentido. Essa comparação subentende que a crença religiosa implica ao mesmo título que a neurose individual - um conflito que resiste essencialmente às duas características antinômicas da figura divina (amor e ódio) que perpetuam as duas faces do pai – aquele que traz em sua imagem a garantia das proibições e os mandamentos prescritos pela civilização.
Há pouco, ao escrever sobre o Processo do Luto que acompanha todos aqueles que experimentam a dor da perda de um ente querido, disse que aquele é devido à culpa pelos sentimentos e atitudes hostis experimentados ao longo de todo o tempo de um relacionamento seja ele qual for: marido/mulher; pai/filho; irmãos; amigos. Imediatamente pensei que seria muito difícil para alguém em plena vivência do Processo conseguir reconhecer separando tudo que foi vivido positivamente de tudo que foi negativo ao lado da pessoa que agora planteia. Posso dizer de outra forma: as idealizações nada mais são do que transformações pelo contrário de um ódio mortal. Todo ídolo traz em si a representação do seu contrário.
Tenho vontade de viajar para Jerusalém e ver de perto os lugares mágicos do Cristianismo, Judaísmo e Islamismo – as três grandes religiões monoteístas assentadas sobre a crença entre os fiéis de ser objeto exclusivo do Amor de Deus. Religiões que ainda dividem o mesmo Espaço Sagrado – Jerusalém. A religião mulçumana marcada pelo seu desprezo pelos infiéis, a religião cristã na qual Deus é sacrificado pelo amor dos seus filhos e a religião judaica do povo “Eleito”. Cada vez, o que sustenta a comunidade é a convicção de serem os filhos queridos do Pai.
Essa crença na predileção do Pai é ilusória: nada mais do que uma reivindicação de cada um com assento no narcisismo primário posto que ela confere a um pai “absoluto” querendo, em contrapartida, o cuidado de garantir a prosperidade de seus filhos – se possível neste mundo e, em todo caso, num outro melhor, sob a forma de redenção, que assegurará aos eleitos o gozo eterno. É precisamente neste ponto que vai aparecer a contradição produtora da neurose – Deus pune aqueles que elegeu porque os ama. Dois avatares imaginários da divindade: uma Providência protetora e um deus vingador – duas faces de uma mesma moeda que une semelhantes permitindo dividir o mesmo espaço sagrado. A comunidade criada pelo ódio é então mantida pelo amor.