A noção de justiça é imanente ao ser humano. Por ela sentimo-nos impulsionados a agir contra o injusto. Ela pertence ao conjunto de valores e ideais que compõem, juntamente com o eu e o isso, nosso caráter – tudo aquilo que nos faz indivíduos inseridos numa determinada sociedade. No entanto, esta forma humana de ser não impede que relativemos a própria noção de justiça. Esta relativização ocasiona uma forma particular de reconhecimento do que é justo e assim creditamos como justo aquilo que vem em prol do sujeito e injusto o que, beneficiando a outrem, desfavorece o próprio sujeito. Em outras palavras, a noção de justiça pode estar contaminada pelas contingências pessoais que explica a caracterização como justo para si o que recusa a outrem.
Este ideal de justiça nos pressiona a criticar as truculentas ações policiais, ora sentenciando secularmente ora em silenciosa conivência: se a lei deve ser respeitada por todos – brancos, pardos, mulatos, negros, amarelos ou vermelhos –, dela também não excluímos os maiores ou os menores; os governantes ou governados, mesmo que a realidade nos mostre o contrário. Todo e qualquer brasileiro que acompanhe o dia-a-dia político nem se assusta mais com a torrente de escândalos que se sucedem numa cadeia interminável. Parece-me que todos os delitos aqui referidos são e foram cometidos contra os bens públicos. Por que as gritantes diferenças de conduta?
O conhecimento profundo da vida pulsional do homem – tudo aquilo que nele impele à ação e ao trabalho – já nos torna inseguros quanto às possíveis parcialidades da justiça. Sabemos que a noção de justiça, acima referida como imanente ao homem, enquanto ideal abstrato, é perfeita e incontestável; mas quanto aos atos concretos, uma série de acertos e desacertos, justificados ou imperdoáveis, é cometido na tentativa de desfazer conflitos ou injustiças. Sabemos também que a sensação prazerosa decorrente da experiência de poder afeta a pessoa na direção de um autoenamoramento aprisionante e consequente perda da condição de empatia ou identificação com o outro sem o que os julgamentos justos são impossíveis. Será que podemos ainda sonhar com uma justiça eficaz que leve em conta o artigo constitucional “todos são iguais perante a lei”?!
(*) psicóloga e psicanalista