Uma jovem senhora – revendedora de produtos de beleza em domicílio – sente-se atraída e entra num velho palácio sombrio, encontrando, no seu interior, um adolescente solitário, envergonhado.
Uma jovem senhora – revendedora de produtos de beleza em domicílio – sente-se atraída e entra num velho palácio sombrio, encontrando, no seu interior, um adolescente solitário, envergonhado e escondido a quem convida para sair e até mesmo ir a sua casa! O jovem manifesta entusiasmo, mas, em seguida, mostrando-lhe suas mãos de tesoura, diz: Não posso ir porque não estou pronto! Esta cena dá início ao filme e às aventuras deste jovem inacabado no mundo social, portanto de relacionamentos. Pela figura reconhecemos que lhe faltam as mãos humanas e em seu lugar havia tesouras afiadíssimas. A incompletude no seu desenvolvimento corporal lhe impedia o contato carinhoso ou amoroso com as outras pessoas, já que os ferimentos seriam inevitáveis. Assim, se ele podia esculpir qualquer monumento seja com plantas ou gelo, em poucos segundos o abraço, o cafuné, a doçura de um afago seria totalmente impossível. Relembro este filme para introduzir uma situação repetitiva e característica de nossos dias: recentemente presenciei uma situação de disputa de poder entre um pai e seu filho de nove anos, mais ou menos, num supermercado, onde devido a um não apresentado ao jovem já contaminado pelas imposições consumistas teve uma reação extraordinária gritando, batendo os pés com fúria e até mesmo correndo ao redor do pai que, envergonhado, tentava acalmá-lo falando baixo... Não sei o final da cena, mas fiquei tocada pela fúria e descontrole de movimentos que a criança fazia para intimidar e conseguir seu objetiv comprar algo, certamente supérfluo. Talvez seja desnecessário repetir, primeiramente, que esta situação é emblemática e, depois, que o poder agora está nas mãos das crianças e até mesmo dos jovens! Mãos erradas, porque eles, enquanto imaturos, portanto inacabados, não sabem o que fazer com o poder que lhes é conferido. O poder inebria, falseia as percepções, provoca sentimentos totalmente imaginários de superioridade e potência. Parodiando a imagem criada no filme: Eduardo mãos de tesoura, estaríamos construindo nestes jovens uma auto-imagem irreal, assentada na imaturidade, talvez uma arma como as mãos de tesoura que ferem, cortam, impedem a aproximação, o amor, a generosidade e a solicitude. E, como punição pelo erro cometido, somos os primeiros a sofrer as amarguras de ter no espaço social seres agressivos, violentos, consumistas, fechados em si mesmos e restritos aos próprios desejos. (*) psicóloga e psicanalista ilcea@terra.com.br Ilcéa Borba escreve às quartas-feiras neste espaço