Num tempo de permissão para brincar na rua até a hora de dormir, um grupo de crianças
Num tempo de permissão para brincar na rua até a hora de dormir, um grupo de crianças e jovens brincava com bola. O divertimento começou com a “Queimada” e a bola atingiu fortemente uma das que participavam. Essa saiu furiosa da brincadeira e ficou observando o grupo que tentava continuar, sentada numa mureta baixa, que apenas delimitava o terreno ao redor da casa. Na sequência, iniciaram a “Maria Viola, com quem está a bola”, dando-lhe a oportunidade de denunciar o portador da mesma. A brincadeira ficou sem graça e todas desistiram da rua, dirigindo-se às próprias casas. A denunciante era a Nara Vania de Andrade, minha prima e companheira de infância, ternamente amada quando participava ativamente dos jogos e raivosamente odiada todas as vezes que se colocava nesta situação de “estraga prazeres”. É claro que a situação acima descrita nem sempre definia nossos comportamentos, mas essa noite permanece viva para mim, como se não tivesse passado tanto tempo! E daquele trio “sempre juntas” que tanto brincava quanto brigava só eu fiquei: ontem enterramos Nara, a segunda a partir; a primeira foi minha irmã Inara. Ambas vítimas de enfarto fulminante, quando o desfecho inesperado pega todos de surpresa para encarar de frente a separação definitiva.
Ontem, ao me despedir de Nara Vania de Andrade, senti duplamente sua falta, pois constatei que perdi minha companheira de canto. Em situações anteriores, eu contava com o apoio da sua voz forte e afinada para as execuções musicais que sempre acontecem familiarmente, pois pertencemos a um grupo altamente ligado à musica.
Lembrar-nos da Nara é recordar a adolescente que se viu aprisionada no amor e na sedução. É bom esclarecer o que consideramos como seduçã é um jogo, caçada silenciosa entre dois olhares, captura numa rede perigosa de palavras, jogo arriscado e fascinante onde o vencedor não sabe o que fazer de seu troféu e o perdedor só sabe que perdeu seu rumo, um jogo cuja única possibilidade de empate se chama amor. Será o seduzido um perdedor? É o seduzido que se expressa na poesia, na literatura, nos consultórios. É o seduzido que tenta compreender a transformação que se deu nele ao mesmo tempo em que tenta entender o poder do olhar sedutor. O seduzido é alguém que perde o rumo e tem que se guiar, nas brumas de uma infância revisitada, pela bússola do olhar sedutor. Se ganhar é conquistar a possibilidade de produzir e perder, seu oposto, o processo que absorve o seduzido na tentativa de retomar o rumo perdido só pode se referir ao ganho. Não podemos afirmar que o seduzido ame o sedutor – ele é seu prisioneiro e as tentativas repetitivas de conquistar o sedutor nada mais são do que a esperança de liberação do seduzido.
(*) Psicóloga e psicanalista
e-mail: ilceaborba@gmail.com