Depender tanto e tão completamente do outro quanto o bebê de sua mãe, numa fase de incompletude e possibilidade defensiva, onde só o choro revela um mal-estar ou pedido de socorro, deixa marcas indeléveis neste aparelho psíquico em formação. Esta dependência dos primeiros tempos, cujo resultado significa morrer ou viver, mostra a fragilidade do bebê frente à superioridade física e agressiva do adulto que se encarrega de seus cuidados ao mesmo tempo em que produz uma “troquelagem” – marca feita a ferro e fogo que se mantém por toda uma vida. Não é à toa que mesmo adulto o homem rejeita e foge de situações onde possa correr o risco de experimentar dependência mesmo que afetiva.
Voltando os olhos para os grupos de animais em liberdade na natureza, vemos facilmente que os animais menores e doentes são as presas preferidas dos predadores em busca de alimento, na justa medida da facilidade encontrada em sua captura. Também algumas espécies ou raças são os próprios pais a fonte de perigo e os filhotes devem ser separados dos reprodutores para ter sua vida preservada.
Se entre os humanos o habitual é a proteção sistemática dos filhos pelos pais, de vez em quando a sociedade se surpreende com as agressões assassinas destes sobre aqueles. Recentemente, na cidade de Três Passos, Rio Grande do Sul, o garoto Bernardo Uglione Boldrini, após ser dado como desaparecido por seu pai e madrasta entre os amigos, vizinhos e familiares, foi encontrado morto e enterrado numa cidade próxima: Frederico Westphalen, em decorrência de uma dose letal do medicamento Midazolam. Os principais suspeitos são seu pai, o médico Leandro Boldrini; a madrasta Graciele Ugulini, uma amiga Edelvania Wirganovicz e seu irmão. O garoto chegou a procurar a Justiça, solicitando ser adotado por outra família, já que seu pai não lhe dava atenção e sua madrasta o maltratava. Ao ser interrogado pela Justiça e receber um prazo para mudar a situação do filho Bernardo em casa, o pai, Leandro, concordou com a proposta feita, apenas para ganhar tempo e assim planejar adequadamente seu assassinato.
O médico Leandro forneceu a receita azul para compra do medicamento; a madrasta Graciele, que é enfermeira, levou Bernardo para uma pequena viagem sob o argumento de que ele conseguiria o aquário há tanto tempo desejado, e a amiga Edelvania – assistente social – ajudou no transporte e enterro da criança, já sem vida. O irmão da assistente social foi encarregado de abrir a sepultura onde o corpo de Bernardo seria colocado. Apesar de possuírem curso superior, parece que imaginaram cometer um crime perfeito, já que, de acordo com os ditames sociais e culturais, os pais são aqueles que velam pelo bem-estar e pela proteção contra os perigos ambientais aos filhos, estando assim fora da mira policial. Mais uma vez, o ideal não foi atingido e o mito se desfez: os perigosos impulsos agressivos dos pais suplantaram o amor carinhoso, revelando toda sua face odiosa.
(*) Psicóloga e psicanalista