Ler e escrever se definem como dimensões comunicativas
Ler e escrever se definem como dimensões comunicativas baseadas na oposição do presente e do ausente. Como nos diz Derrida: escrever é comunicação com o ausente, o inverso da fala, que está arraigada na presença. No escrever ninguém está presente. Para ser mais exato, o leitor potencial e anônimo está ausente por definição. Poderia até mesmo estar morto, já que esta situação de ausência é uma condição prévia para toda a comunicação escrita. No entanto, o escrever modela essa dimensão da ausência ao representá-la e, em certo sentido, torna presente.
Inversamente para o leitor, o autor está sempre ausente. O texto só cria essa quase presença ou quase ausência. Mesmo na situação em que o autor nos é conhecido, ele permanece ausente, porque, assim como podemos conhecê-lo, o autor jamais se assemelha ao ser vivo que encontramos e com quem intercambiamos palavras banais ou profundas. O autor é um caráter secreto. Ele é desconhecido de todos, a tal ponto que, às vezes, se deseja saber como essa pessoa com quem estamos jantando, viajando, ou vendo um filme seria possivelmente capaz de ser a mesma que escreveu tal e qual livro. O demônio da escrita não se mostra àqueles para quem se destina o escrito. Da mesma forma, o leitor não é jamais o mesmo indivíduo com quem janto ou vejo um filme. Ele, mesmo quando testemunho sua leitura, está ausente, em um espaço privado, fora de alcance. A obra, como nos diz André Green, está nessa terra de ninguém, nesse espaço potencial, transicional, esse local de uma comunicação transnarcísica onde os duplos do autor e do leitor – enquanto fantasmas que nunca se revelam – se comunicam através da escrita. Um conceito que pode nos ajudar na decifração deste enigma é o de Espaço e Objeto Transicional, criado pelo psicanalista inglês Winnicott. Para ele, o ato de saber sobre si mesmo e sobre o outro passa por uma etapa transicional quando a visão do objeto é criativa, tornando o objeto semelhante ao eu e vice-versa: objeto e o eu se fundem, mesclando-se um ao outro. O espaço transicional é aquela arena de jogo e ilusão entre o sujeito e o outro. Local onde se encontram e se produzem tanto um quanto o outro. Assim o objeto é “criado” pelo eu, mesmo já estando anteriormente lá.
O trabalho de escrever pressupõe uma ferida e uma perda, um trabalho de luto, cujo texto é a transformação em uma positividade fictícia. Nenhuma criação pode ocorrer sem esforço ou aplicação, sem um penoso esforço sobre o qual está a pseudovitória. Pseudo, porque essa vitória só pode durar um tempo limitado, porque é sempre contestada pelo próprio autor, que constantemente deseja começar de novo e, assim, negar o que já foi feito, negar em todo o caso, que o resultado, por mais satisfatório que pudesse parecer, deveria ser tomado como o produto final.
(*) Psicóloga e psicanalista