Durante uma pandemia de coronavírus, a endêmica crise política. Só assim o tema enfadonhamente repetitivo de isolamento social, boletins informativos sobre número de contaminados, confirmados e mortos se alterou. As redes sociais, noticiários televisivos ou impressos foram engolidos pelos relatos e análises políticas que tentam dar conta das novas e estonteantes novidades. Quem perdeu e quem ganhou depois da troca de pessoal no Ministério da Justiça e Polícia Federal?
Domínio de Tanatos – para unir os irmãos dispersos, constituindo uma unidade coletiva, só mesmo o assassinato simbólico do Pai. Se antes o Pai era o foco das acusações agressivas de cada um, sua morte deixa um vácuo de beligerância – a quem culpar agora? –, assim a acima recém-concluída unidade coletiva é posta em risco pelas reivindicações individuais prenhes de força narcísica na reivindicação de direitos e prerrogativas frente aos limites repressivos da nova sociedade.
O Brasil amanheceu nesta sexta fatídica frente ao desafio de administrar internamente os sentimentos nascidos da tentativa de assassinato do Pai Simbólico, enlutado. O recente líder da Lava-Jato, elevado à condição de Vice-líder do Povo Brasileiro, demite-se e convoca uma coletiva para esclarecer os motivos do seu ato. Suas palavras confirmam um desejo de manter a independência da Polícia Federal, formada por seus simpatizantes, diante do afastamento do anterior chefe e a possibilidade de escolha presidencial de um novo nome.
É uma perda real que todos devem entender e superar para que a continuidade seja mantida.
À tarde é a vez do Presidente, em coletiva, apresentar sua versão dos fatos. Situações embaraçosas onde o povo é chamado a julgar os fatos e tomar uma posição que muito se assemelha ao julgamento filial ante a separação dos pais. Um primeiro momento se delineia: dois grupos antagônicos se formam – favor ou contra –, onde as acusações explodem, criando barreiras de raiva ao mesmo tempo em que confirmam as diferenças fundamentais entre os dois grupos polarizados.
Mas, novos tempos são esperados, pois as realidades dos dias seguintes mostram que o sonho de cada um de herdar o lugar privilegiado do Pai Simbólico não está disponível. Ao homem só cabe aprender a lidar com a dualidade, onde tem que se constituir “como um” numa comunidade e, ao mesmo tempo, manter os privilégios de Um – “as renúncias exigidas pela vida em comum não são jamais plenamente aceitas no inconsciente humano”. Não podemos substituir o pai nem ser o único do amor dele.
Ilcea Borba Marquez
Psicóloga e psicanalista
ilceaborba@gmail.com