As novelas responsáveis pela adesão de grande parte dos brasileiros em especial...
As novelas responsáveis pela adesão de grande parte dos brasileiros em especial, mas nem só, buscam na trama arquitetada pelos autores traçar personalidades capazes de atrair o interesse de muitos em torno de questões paradigmáticas. Assim, esta última em curso, dentre outras atrativas personagens muito bem sustentadas por excelentes atrizes, tem provocado interesse especial a arquiteta Silvana, interpretada pela Lilia Cabral. Esta apresenta um comportamento bizarro – o vício incontrolável pelo jogo de cartas. Silvana cria uma rede intrincada de mentiras que lhe possibilitam fugir das tarefas e compromissos diários para estar com seus pares numa mesa de jogo, onde perde ou ganha fortunas. Em uma cena, depois de colocar na mesa de aposta todo o dinheiro que tinha, como último recurso e para não deixar a mesa de jogo, oferece seu próprio carro como valor de aposta. Para sua infelicidade maior, seu palpite não confere com o resultado e ela perde até mesmo o seu veículo. Estas cenas e a brilhante interpretação de Lilia Cabral provocam perguntas que os espectadores não conseguem responder: o que causa este comportamento tão destrutivo? Existe um prazer? Se existe, este deveria se restringir às situações de ganho apenas e, como as perdas são mais frequentes e maiores, como se encaixa o prazer? Estaríamos diante de um comportamento eminentemente autodestrutivo? A qual organização subjetiva ele corresponde?
Ao mesmo tempo constatamos a persistente negação social da violência, revelando a recusa discursiva legitimada à violência. Dos pais aos professores, a grande dificuldade atual se refere a ocupar o lugar odiado de ser e representar aquele que frustra aquele que deve impor a lei com suas regras e limites, facilmente constatados na pergunta ansiosa de um pai: “Como não ser violento com meu filho para conseguir que ele durma no horário apropriado, pois ele faz cenas terríveis e não quero magoá-lo?”. Em várias outras situações verificamos que o lugar da lei, da referência e da ordem tem sido preterido a pretexto do amor, do prazer da felicidade e da criatividade, impedindo dessa forma que a criança entre em contato com sua história dolorosa para que possa fazer seu luto simbólico e se organizar. Desde Freud apontamos que a violência é fundadora da civilização e determinante da subjetividade. Não existe outro caminho possível à criança senão sentir a grande frustração decorrente da impossibilidade de fusão completa e total com a mãe, tal como desejou originalmente e primariamente, pois a mãe não está a serviço apenas de suas necessidades pulsionais, cabendo a ela iniciar seu processo de gerenciamento gradual e positivo na esfera pulsional. No caso que iniciou este artigo – ser capaz de levantar e abandonar a mesa de jogo na hora adequada.
(*) Psicóloga e psicanalista