O conhecimento de uma obra oportuniza saber sobre seu criador. Início de um estudo pode se dar nos dois sentidos: da obra ao criador; do criador à obra
O conhecimento de uma obra oportuniza saber sobre seu criador. Início de um estudo pode se dar nos dois sentidos: da obra ao criador; do criador à obra.
Não é diferente quando focamos as sociedades construídas pelo homem enquanto instituições, valores sociais e códigos de conduta e o próprio homem, em sua estruturação personalística: o eu mesmo, as forças motivacionais e os limites. Vejamos o caso de uma criança que é frequentemente espancada pelo pai colérico toda a vez que, em seu entender, ela faz alguma travessura. Essa criança aprenderá a evitar a conduta desaprovada com medo de seu pai. Mas o seu mecanismo de autocontrole só se desenvolverá parcialmente a este respeito. Para ser capaz de conter-se, permanece dependente das ameaças de outros. Sua capacidade de coibição poderia desenvolver-se com maior vigor se o pai fizesse a criança evitar espontaneamente o comportamento indesejável, através da persuasão, argumentação ou sinais de carinho. Mas a criança que é agredida com frequência não aprende a conter-se independentemente de uma coerção externa, sem a ameaça de punição paterna; e por isso fica também, em considerável medida, à mercê de seus próprios impulsos de rancor e hostilidade. É altamente provável que essa criança, por sua vez, venha a tornar-se mais tarde propensa a querer resolver tudo de forma agressiva, tomando inconscientemente seu pai por modelo.
Este exemplo pode ser transferido sem dificuldade para sistemas políticos. Membros de uma sociedade-Estado que foi absolutista por largo tempo, desenvolvem estruturas de personalidade muito análogas, em que sua capacidade para exercer o autocontrole permanece na dependência de uma coação externa, de uma força que os ameace de fora com severas punições. Um regime não absolutista requer um mecanismo muito mais forte e mais firme de autocontrole. Corresponde ao modelo de criação, citado anteriormente, quanto às questões de limites e castigos, onde há uma preocupação de criar, individualmente, o que chamaríamos de autoconsciência ou autocontrole, possível através da persuasão ou argumentação convincente. Esta é uma das razões por que a transição de um regime absolutista, ditatorial para um multipartidário é tão árdua. Essas dificuldades são tão grandes que usualmente é preciso três ou quatro ou mesmo cinco gerações para que as personalidades se adaptem com êxito à forma não-violenta de disputa partidária.
A análise do momento político brasileiro revela que o poder é exercido pelos que não só se desconhecem totalmente, mas também as instituições sob seu governo assim argumentam no velho estilo absolutista: SABEM COM QUEM ESTÁ FALANDO?
(*) psicóloga e psicanalista