O desafio do amor é o de ser pleno no ideal, e ao mesmo tempo real. Em outras palavras: o de ser intensivamente inteiro (e não “completo”); o de ser “suficiente”, não por “suficiência”, mas por plenitude intensiva, que inclui o fato constituinte de que o amor é devir, multiplicidade interna; ou seja, que tal plenitude intensiva não é a de um ideal projetado fora, mas a de um ideal intersticial potencializador do próprio amor. Para isso é importante que os diferendos entre as pessoas sejam ocasião de enriquecimento e de potencialização do ideal do amor-floresta; ou ainda que o encantamento do amor-devir seja o próprio ideal intersticial, seu próprio motor e seu próprio objeto.
O desafio das relações amorosas, por sua vez, e, por conseguinte, é o de que a relação de um mais um não dê um novo um, uma nova entidade idealizada fora, em proveito da qual os parceiros devam “ceder” em suas singularidades, anularem-se, amoldarem-se, adaptarem-se. Nem tampouco que o resultado da relação de um mais um dê simplesmente um e um, separados, buscando apenas paliativos de acolhimento em encontros onde ambas as dobras pensam-se, concebem-se e sentem-se (em geral por defesa) como separadas da substância, como sujeitos não porosos numa relação de poder, ou bem ativa, ou bem passiva, para com o mundo e para com os outros.
O desafio da relação amorosa constitui-se, então, em vivenciar a univocidade, onde não se busca uma simbiose identitária, mas onde existe o que o filósofo Alain Badiou chama de “fidelidade”; o que une, independentemente do modo desta união (afinal, modos são suportes, amor é sentido); o afeto, a afeição, a afetividade, que pode deixar de ser vivenciada tanto por uma idealização do amor ou da relação, quanto seu oposto, uma des-ilusão desta idealização; enfim, por um ideal não intersticial, seja no esforço de iludir-se em sua busca, seja como reação à impossibilidade de sua realização.
Querer amor, querer amar, amar, relacionar-se, é querer a univocidade neste modo que somos. Até mesmo a Razão, por mais desvencilhada do real que seja – cartesiana, kantiana, positivista –, é a tentativa infantil de criar um Pai que nos guie visando um sentimento de pertencimento por diferenciação e ameaça – no caso, em relação à natureza, aos sentimentos, ao corpo, aos corpos, ao corpo da natureza, ao afeto.
“Nada é certamente tão importante e tão gratificante na vida como o amor no sentido usual da palavra – nada a não ser a própria vida.” (Clement Rosset)
(*) Psicóloga e psicanalista