ARTICULISTAS

O eu e seus ideais

Nossas ações são governadas pelas forças internas que nos mobilizam e limitadas pelos ideais pessoais que nos direcionam rumo ao devir. Assim sofremos as pressões

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 12:21
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Nossas ações são governadas pelas forças internas que nos mobilizam e limitadas pelos ideais pessoais que nos direcionam rumo ao devir. Assim sofremos as pressões das necessidades corporais, como fome, sede, cansaço, dores, bem como dos desejos: amor, ódio, aceitação, aconchego, desafios... Podemos mesmo imaginar uma cena: alguém no centro da arena sendo empurrada e, ao mesmo tempo, barrada – de um lado, os anseios plenos de desejos insatisfeitos; de outro, os códigos de condutas internalizados e feitos como próprios pelo processo de incorporação das figuras importantes na história pessoal de cada um.

Todas as lembranças que retornam acompanhadas de plenitude prazerosa como, por exempl estar ao lado do pai que se barbeia e ser atraído pelos matizes azulados de suas veias salientes... Neste momento, instala-se internamente uma imagem paterna tornada um ideal a ser atingido. Ser o pai de novo é impossível porque isso seria uma clonagem, e não uma busca de identidade própria; a incorporação de apenas um traço do pai é o caminho saudável para a aquisição de subjetividade singular. Voltando ao exemplo citado, a identificação com o pai idealizado fez daquele menino um grande pintor e, como o pai idealizado não era apenas veias azuis salientes, todo o resto não assimilável ao eu formará o supereu e carregará em si o ódio perseguidor: um ideal inatingível.

Mais tarde, quando acontecer a escolha de alguém para amar e compartilhar a vida, aquele ideal de eu servirá de parâmetr se se enquadrar no traço incorporado – as veias salientes e azuis –, resultará numa opção pelo amor; se se enquadrar nos restos inassimiláveis do ideal, resultará numa opção pelo ódio paranoico.

Na semana passada, no texto Amores Ilícitos fiz uma ligação entre estes e as escolhas baseadas no Supereu (ou nos restos não incorporados ao eu do pai idealizado). Dessa forma, a relação afetiva estaria estruturada sobre o ódio perseguidor ou na raiva de não poder ser o almejado e que, mais cedo ou mais tarde, cobraria um desfecho desagradável: aquela que não admiro em nada mas amo, ou, ainda, aquela que não tem nada com o que desejo para minha vida e, no entanto, estou sempre com ela, a estrangeira, a totalmente diferente de mim, nas crenças, nos costumes, na idade e, que bem no íntimo, desperta um ódio inenarrável.

(*) Psicóloga e psicanalista

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