O ser humano carrega em si um ideal de justiça que o impulsiona a buscá-lo como também agir contra o injusto. De uma ideia de justiça formada ao longo do processo de formação do caráter se contrapõem outras forças psíquicas profundas, como a manutenção da própria vida, a defesa dos ideais de realização plena de suas potencialidades individuais, bem como a defesa do ambiente pessoal, o que nos mostra a possibilidade de identificação como justo aquilo que vem em prol do sujeito e injusto o que, beneficiando a outrem, o desfavorece. Dessa forma, não provoca surpresa que a noção de justiça que cada um carrega em si esteja, muitas vezes, contaminada das contingências pessoais, o que caracterizaria como justo para si o que recusa a outrem. Torna-se necessária a abstração das contingências individuais para a identificação de valores universais, o que possibilitaria uma aproximação do fenômeno Justiça como uma hiper/superestrutura abolida do universo humano e alocada no universo teológic ao mesmo tempo em que a Justiça dos homens qualifica-se como imperfeita, proclama-se a Justiça Divina como a única infalível.
Como representante da Justiça na sociedade encontramos a figura do juiz cujo perfil idealizado é sempre tão mais rigoroso quanto menor for a cidade em que vive, uma vez que a personaliza – tem o encargo legal de realizá-la nas decisões que toma nos processos, na administração do fórum, na vida pública e mesmo na vida particular exteriorizada. Quando julga, comunica-se diretamente com toda a sociedade, mas revela-se completamente pelas escolhas que realiza na sua vida pessoal e interna através da sua imagem, do seu exemplo e ainda do aval ou reproche prestados por lideranças locais do diversos setores formadores da opinião pública. Uma faceta positiva ou negativa que prevaleça obscurece as demais positivas ou negativas que haja na personalidade do juiz.
Antes do advento das transmissões ao vivo das sessões de julgamento em todas as suas cortes, a imagem social dos juízes era passada indiretamente pelos que estavam diretamente envolvidos nos processos, como advogados, funcionários da Justiça, réus e jurados. Agora cada um, através dos seus próprios julgamentos, forma uma imagem positiva ou negativa deles. Nesses últimos oito anos, tempo de duração do show dos mensaleiros, ocorreram mudanças significativas nas definições sociais de cada um dos profissionais que atuam no campo jurídico. Alguns se beneficiaram desta exposição multimídia, outros saíram queimados, com suas imagens contaminadas definitivamente pelas ideias de “vendidos”, “medrosos”, “vaidosos” ou ainda “despreparados”. O preceito antigo e arcaico que impedia a utilização dos meios de comunicação social pelos juízes fazendo sombra no processo de justiça e silenciando publicamente os juízes caiu por terra e o aparelhamento de justiça se mostra agora com todas as suas mazelas!
(*) Psicóloga e psicanalista