O poema de Fernando Pessoa: Com quantos mitos se faz a realidade? onde encontramos este título – O mito é o nada que é tudo,... faz-nos repensar a questão da verdade e da mentira no significado da palavra mito. De acordo com o Aurélio, mito seria: narrativa dos tempos fabulosos ou heroicos; representação de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação popular, pela tradição ou ainda ideia falsa, sem correspondente na realidade. A partir de Fernando Pessoa, a realidade passa a ser vista como resultado de mitos. O mito estaria na origem do real. Assim ao buscar a origem de povos e nacionalidades encontraríamos os mitos.
Em relação ao Brasil temos várias estórias a contar: Depois do Grito de Independência e a partir do desejo de afirmá-lo como uma entidade nacional autônoma e integral abandonando de vez os sentimentos de subordinação e inferioridade cultural, D. Pedro II nomeou um historiador oficial para estabelecer a primeira versão de uma história do país que indicasse um futuro promissor à nova nação. O imperador nomeou o erudito Francisco Adolfo de Varnhagen - Barão e Visconde de Porto Seguro - para estabelecer uma identidade digna e uma trajetória histórica nobre para o país. Estudando as línguas indígenas e pesquisando os mitos, ele concluiu que os nativos do litoral, onde ocorreu o descobrimento e se iniciaram os primeiros assentamentos da colonização, chamavam-se a si mesmos de “caris”, daí serem reconhecidos pelos colonizadores como “caraíbas”. Numa extensão interessante, nosso historiador ligou-os aos habitantes de Troia, conhecidos como sendo a dos cários. Para ele, os habitantes nativos do Brasil eram os descendentes da expedição dos sobreviventes que conseguiram fugir após a destruição da cidade. Parte deles, sob o comando de Enéas, fugiu para a península Itálica, onde fundaram Roma, e a outra parte, ainda mais heroica, atravessou o Atlântico e fundou o Brasil.
Mesmo que esta conclusão seja fruto de uma tradução errônea das palavras usadas pelos indígenas ao responderem às perguntas que os descobridores lhes faziam sobre quem eles eram, numa língua que eles não tinham como entender, e às quais respondiam “cari”, na verdade não estavam respondendo quem eram, mas perguntando basicamente a mesma coisa: quem eram aquelas estranhas criaturas brancas, já que na linguagem indígena branco era cari. Eles apontavam para os europeus e diziam cari. A interpretação dos colonizadores criou outra história – um simples erro de interpretação! Se não se fez história criou-se um mito bem de acordo com o desejo do Imperador D. Pedro II. A partir dele, a origem do Brasil era tão sublime quanto a de Roma ou de Portugal.
(*) psicóloga e psicanalista