ARTICULISTAS

“O que é correto e justo logrará vencer os desvios jurisdicionais” (Affonso Ferreira, Manuel A – 2008)

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 05/03/2014 às 10:42Atualizado em 19/12/2022 às 08:43
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Minha visão melancólica da atualidade me impede de compartilhar dessa citação de Affonso Ferreira. Pelo contrário, a fala do escritor britânico George Orwell –“A  linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade” – expressa toda minha crença de agora, esclarecendo também o motivo desta desagradável sensação de perda.

O que perdi? A ingenuidade juvenil explicita na convicção da existência de uma  ética jurídica pura, dissociada das imperfeições inerentes ao ser humano, à organização de um grupo político/partidário, ao inexorável fator de atração do poder! Anteriormente, ainda abria a possibilidade de haver na aplicação do Direito a dimensão psicológica e emocional do homem enquanto juiz e advogado, mas agora, depois dessas idas e vindas do Supremo Tribunal Federal, só me resta submeter-me ao voraz e avassalador desejo de poder que permeia todas as discussões e votos jurídicos, não sem antes revelar total decepção e íntima revolta.

Não precisamos de dicionários jurídicos para decifrar o significado da palavra “quadrilha”: bando de ladrões, assaltantes ou malfeitores... Mesmo que tenham se livrado da pena de detenção, grande parte da sociedade mantém o veredicto anterior, coerente com uma condenação imparcial, porque a maioria não está sob o poder atrativo dos ganhos remunerativos e nem tão pouco das vantagens do domínio. O que mudou realmente de uma votação para outra foi a entrada de novos juízes, indicados pela presidência da república, com trato firmado anteriormente para a absolvição e/ou diminuição penal.

Sabendo que a verdade é sempre relativa, buscamos nas pessoas a qualidade de verdadeiras que reconhecemos quando têm atitudes e condutas de consenso étic – capacidade de consideração e preocupação com outros; – reconhecimento próprio de que ele não é melhor ou pior que o outro, mas apenas diferente; – certeza interna de que os outros com quem convive também têm direitos a serem respeitados, que essas pessoas, por mais íntimas e dependentes dele, não são de sua posse e que, pelo contrário, elas devem ter um espaço próprio, com relativa autonomia e liberdade de movimentos; – aceitação reconhecida de que ele tem limites, bem como suas reconhecidas aptidões e capacidades; – concordância com a realidade de que ele, enquanto homem, não é um deus imortal, portanto não pode decretar suas próprias leis, às vezes contra a ordem natural das coisas, à espera que os outros, vistos como súditos as cumpram; – aceitação da existência da hierarquia de lugares e papéis, assim como o cumprimento das leis vigentes; – capacidade de substituir sua aspiração de domínio e apoderamento dos outros por uma compreensão profunda destes outros depois de se compreender; – desenvolvimento de uma capacidade de autorreflexões, a fim de que possa assumir seu quinhão de responsabilidades e eventuais culpas no desenvolvimento dos fatos dos quais participa.

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