ARTICULISTAS

O risco da perda da noção de identidade, principal variável da vida grupal

Temos assistido nestes dias de copa do mundo um forte sentimento de brasilidade que em muitas situações abre o questionamento

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 16/06/2010 às 19:32Atualizado em 20/12/2022 às 05:57
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Temos assistido nestes dias de copa do mundo um forte sentimento de  brasilidade que em muitas situações abre o questionamento sobre os motivos da não existência deste mesmo sentimento em outras épocas. É como diz o refrão ... todos juntos, pra frente Brasil, ...de repente é uma corrente ... parece que todo o Brasil deu a mão... Explicar a causa deste fenômeno atual bem como sua não existência em outra época é o objetivo deste texto.

A vivência em um grupo amplo, como a questão da nacionalidade, proporciona aos membros uma experiência desconfortável de desconhecimento de si mesmo. Estes sentem-se naufragados no anonimato coletivo, demasiados numerosos para estabelecer algumas relações interindividuais que lhes permitisse sentir existir, tornam-se objetos da indiferença dos outros, estão enfim absorvidos a uma vida coletiva efêmera. Os participantes de um grupo amplo vivem uma situação na qual sua unidade está fora deles, sua unidade como grupo, e também sua unidade individual; parece-lhes que a unidade seria propriedade dos outros, a eles cabe experimentar a diversidade e o despedaçamento. Numa contraposição o grupo menor assegura a cada participante uma vida pessoal rica em relações recíprocas, simpáticas e duradouras.

A dificuldade na diferenciação identificatória pessoal evoca aos participantes o risco de perda da identidade do EU. O sentimento regressivo provocado pela pertinência ao grupo amplo evoca a situação do bebê que se separa de sua mãe, que emerge como indivíduo, que trata de constituir fora de si o outro no sentido psicanalítico de relação amorosa, bem como de organização do mundo exterior. Todos os grupos provocam esta regressão. A diferença está em que, no grupo pequeno, esta situação é revivida com uma proteção de tipo maternal (o grupo é uma mãe substitutiva, supõe-se que o líder levará em conta cada um dos membros, e os outros membros são espelhos que refletem algo de cada um), enquanto que no grupo amplo os participantes experimentam a perda da proteção materna (o grupo não tem unidade, os líderes constituem um grupo à parte, entre eles, não com os participantes; são um espelho único que não reflete nada).

Segundo Bowlby junto às pulsões sexual e agressiva existiria outra também originária caracterizada pela busca de calor, de um contato pele a pele, sob o signo da doçura, pela necessidade de agarrar-se, de ser sustentado, de ser levado. A frustração desta pulsão de apego é uma das principais peculiaridades do grupo ampl os participantes queixam-se do “frio” - físico e moral - que reina no grupo, da ausência de contato, enfim, do fato de que não  lhes sustente, que lhes deixe cair.

No grupo amplo exclusivo (por exemplo, na reunião científica de uma associação, em uma classe escolar dirigida), se observam as mesmas angústias, mas medidas defensivas de tipo institucional funcionam em seguida para reduzir o risco de perda da identidade: pede-se a cada participante que diga seu nome quando toma a palavra, passam-se listas, distribuem-se crachás, divulga-se a lista dos inscritos... Mais que no pequeno grupo, a situação do grupo amplo constitue um desafio à integridade e relativa autonomia do EU. O EU de cada um dos participantes se encontra ameaçado. Isto explica também o fenômeno descoberto por Freud da frequente substituição, na coletividade, do Ideal do Eu de cada um por um Ideal do Eu comum.

Na medida em que aumenta o número de participantes de uma reunião, o EU de cada um funciona num nível mais regressivo. No grupo amplo não existe senão um pré-EU corporal; o EU-PELE de cada um. Esta debilidade do EU pode explicar a relativa frequência das atuações que acontecem nestas situações.

(*) psicóloga e psicanalista

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