Poucas são as manifestações clínicas que estabelecem vínculos tão fortes
Poucas são as manifestações clínicas que estabelecem vínculos tão fortes com uma estrutura psicopatológica quanto os rituais e os Transtornos Obsessivos Compulsivos (TOC), ao mesmo tempo em que despertam grande interesse pelo rigor de obediência que impõem aos sujeitos afetados, parecendo existir uma lei lógica mesmo que falsa, mas imperativa. Freud relaciona os rituais com leis não escritas, fundadas sobre a racionalidade e o pensamento judicativo.
Os rituais se executam sobre atos banais da vida cotidiana, cuja trivialidade está em contraste com o alto grau de interesse que se lhe reconhece, mesmo porque sua observância é absolutamente necessária. Por exemplo, sair sempre pela mesma porta por onde entrou. Estes rituais têm valor de descarga motora e são objetos de críticas por parte do eu; estas se formulam muito menos em função do prazer ou desprazer vivido na execução do ato ou de seu impedimento que em nome da lógica. É comum a renovação e o enriquecimento dos rituais em virtude de novos acréscimos lógicos. Esta lógica própria representa uma defesa contra os afetos, ou mais precisamente com a lógica do desejo que determina uma via, e não outra. O ritual tem uma função de negatividade, de inversão, de recorrência ao senso contrário da representação do desejo em seu cumprimento e preside a inversão das relações entre o ato e o pensamento.
Freud escreveu que o Transtorno Obsessivo Compulsivo é um disfarce metade cômico, metade trágico de uma religião privada. Assim, três aspectos se oferecem à análise: disfarce, meio-cômico, meio trágico – religião privada. A religião – fenômeno por essência coletivo – estaria aqui reservada ao exercício pessoal de um só. A religião concorda com certa forma de felicidade ou alegria, mas não com o cômico. Metade cômico e metade trágico quer dizer que não é nem um nem outro, mas sim um e outr duas metades contraditórias de uma só unidade. Diante de um fenômeno obsessivo, não se sabe se rir ou chorar, se protestar ou se apiedar. O que fazer diante de uma pessoa que ao ouvir uma palavra tem que cuspir três vezes? Nenhuma outra neurose, pela multiplicação dos sintomas, consegue ser preferentemente geradora de desprazer e fonte de autopunição. Nenhuma outra neurose consegue oferecer ao sujeito, através dos sintomas, fontes disfarçadas de satisfação entre o sujeito e o objeto do desejo.
(*) Psicóloga e psicanalista