Ao ouvir esta afirmativa num assunto de responsabilidade civil (dívidas não pagas por um filho)
Ao ouvir esta afirmativa num assunto de responsabilidade civil (dívidas não pagas por um filho), não pude deixar de refletir sobre nossa atual situação cultural, onde a figura paterna, enquanto “Pátrio poder”- representante social no seio da família: aquele que, principalmente com seu exemplo, transmite aos filhos os valores morais e éticos do grupo comunitário em que está inserido, está desaparecendo ou desapareceu de vez.
Nos anos sessenta/setenta, um dos seriados de maior audiência aqui entre nós era: PAPAI SABE TUDO. Esta série norte-americana focalizava uma família de classe média nas várias situações/problemas que o dia-a-dia dos pais e seus três filhos (dois homens e uma mulher) enfrentavam. Não importava qual o desafio trazido pelos filhos ou pela mulher o pai sempre tinha a melhor soluçã a mais sensata e ética. Assim ele detinha a última palavra e era fator de segurança e tranquilidade no grupo familiar. Da provisão econômica à mediação afetiva, dos conselhos e modelos de conduta, sua figura central no roteiro desenvolvido a cada episódio refletia a importância do papel paterno na educação dos filhos, na formação pessoal de cada um deles, bem como junto à sua esposa; muitas vezes fusionada aos filhos não só devido ao grau de envolvimento emocional, mas também, pela permanência constante dentro dos muros da casa.
Lembro-me ainda de um episódio onde o pai teve sua carteira de motorista apreendida por ter estacionado em local proibido e, logo em seguida, por falta de documentação adequada, tendo então de obedecer a uma interdição para dirigir seu carro, até que cumprisse um programa de reciclagem para condução de automotores. Evidentemente neste tempo várias situações pediam uma quebra neste compromisso social. E a conduta paterna mostrou sempre uma outra solução possível, de forma a manter o compromisso social de obediência às leis mesmo que, aparentemente, o descompromisso não acarretasse danos sociais maiores.
Uma das saídas comuns dos pais quando seus filhos não cumprem as leis, tanto as sociais quanto as familiares, é eximirem-se das responsabilidades, declarando não entender como seus filhos se tornaram tão avessos aos códigos morais e éticos que sempre pautaram as condutas parentais. “Quando os filhos crescem os pais perdem o controle sobre eles!” Entretanto, sabemos que, ao contrário, é muito difícil superar as marcas da presença dos pais no mundo psíquico dos filhos, uma vez que esta acontece desde muito cedo, num tempo em que as crianças se colocam literalmente nas mãos dos adultos que lhe são próximos, dando-lhes todo crédito possível, introjetando, sem críticas, suas mensagens e interdições. Vale lembrar, que as impressões mais fortes são aquelas que, como produto de uma idealização natural, os filhos elegem seus pais como modelo e imitam suas ações prioritariamente.
O texto do advogado Amadeu dos Anjos Vidonho Jr., mestrando pela UFPA e professor na UNAMA, “A nova responsabilidade civil do incapaz pelos atos praticados pela internet” inicia com uma máxima reveladora e definitiva: O grande fundamento da Responsabilidade Civil é a irresponsabilidade humana. Trata-se de um trabalho enfocando o grau de responsabilidade civil, patrimonial, do dano praticado por quem é incapaz: do menor de idade, dos loucos (desvios de personalidade), dos amentais e etc. Apesar de haver uma diferença entre o grau de irresponsabilidade de um garoto que não cumpre suas tarefas escolares ou familiares ou que dilapida o patrimônio social de um outro, eu acrescentaria, no entanto, que as grandes ações associais nascem muito cedo, nas pequenas inobservâncias dos compromissos familiares e/ou grupais.
Não é contradição simples o título deste artig “Papai não tem nada com isso”, e o nome da série televisiva: “Papai sabe tudo”. Ela revela a morte social do PAI e suas consequências atuais: a falta de ética e conduta moral que pautam os comportamentos dos homens.
(*) Psicóloga e psicanalista