Se Freud encontrou na ilusão os mais fortes desejos da humanidade; Descartes encontrou um gênio maligno enganador. A ilusão confunde-se com a “falsa opinião” e com a “fraude”, por isso deve ser completamente rejeitada para que se possa atingir o esplendor das ideias e da consciência em vigília. A posição racionalista é clara: de um lado há a ilusão, o gênio maligno; de outro, o pensamento verdadeiro, a possibilidade da verdade.
A ilusão não é um erro, também não é uma ideia delirante (ainda que dela se aproxime, pois “a ideia delirante está em contradição com a realidade” – Freud) a ilusão, pode-se dizer, é indiferente à realidade. É também em Freud que encontramos uma definição positiva da ilusã “Chamamos uma crença de ilusão quando uma realização de desejo constitui fator proeminente em sua motivação e, assim procedendo, desprezamos suas relações com a realidade tal como a própria ilusão não dá valor à verificação”. Retomemos a definiçã a ilusão é crença, visto originar-se no amor e fazer desaparecer o prazer ligado ao trabalho do pensamento. Amor pelo onipotente, pelo pai, de quem se sente nostalgia, amor por um ideal criado para se defender de sua própria impotência ou para negá-la, amor pronto para fixar-se em qualquer figura paterna substituta (mestre, educador, líder, terapeuta). Trata-se sempre de repor sua própria vida nas mãos de uma (ou várias) imagem investida da capacidade de onipotência (deus, ancestral, chefe guerreiro, profeta, taumaturgo, líder religioso) com o objetivo de assegurar, como resposta, sua benevolência, sua proteção e seu amor, ou seja, a certeza da salvação.
A ilusão provoca o desaparecimento do trabalho do pensamento, o qual comporta interrogação, dúvida, exercício, experiência. Pensar implica um processo doloroso, infinito, que só pode levar a respostas temporárias, as quais se destinam a serem superadas. Mas o pensamento é também descoberta, alegria frente ao desconhecido, excitação diante da percepção de novos caminhos, entusiasmo ao “encontrar”, enfim, aceitação e elaboração dos conflitos nos quais se debate. Quanto à crença, ela é obstrução, ponto de chegada, resposta dogmática e definitiva.
O que deprecia a ilusão religiosa é que ela aliena o jogo livre e criativo da ilusão em uma simbólica preestabelecida e comum. Este estado de alienação acarreta a morte do pensamento daquele que aliena. O dogma é o pensamento imóvel, rígido; a ilusão alimenta no sujeito o desejo de morte do pensamento, e mesmo o desejo de sua própria morte. O sujeito é surpreendido por uma fantasia comum que lhe impossibilita aceder à fantasia pessoal, e a qualquer transformação. A ilusão religiosa é o sacrifício da existência, reclamado e obtido por todos os ídolos. Por tudo isso uma ilusão não pode servir de inspiração para a racionalidade.
(*) Psicóloga e psicanalista