Voltemos ao triângulo amoroso – Euclides, Anna e Dilermando – para uma análise aprofundada
Voltemos ao triângulo amoroso – Euclides, Anna e Dilermando – para uma análise aprofundada. Euclides mostrou-se durante sua vida impulsivo e aventureiro, o que lhe ocasionou ser expulso do exército e passar muitas ocasiões separado de sua família em atividades profissionais distantes. Sua esposa Anna se queixa das intensas discussões que podiam chegar a atos de violência (rasgar suas roupas, trancá-la no quarto), bem como da frieza na convivência. Reconhecemos uma heteroagressividade acentuada e, às vezes, fora do controle consciente, bem como dificuldade de estabelecer vínculos amorosos estáveis. O laudo médico posterior de Euclides “alterações estruturais das membranas meníngeas e às placas leitosas de leptomeningite.” explica sua agressividade e indiferença frente à mulher:
Cedo na vida Anna (casou-se aos 17 anos) se vê abandonada pelo marido. Sempre junto aos filhos enfrenta até mesmo dificuldades financeiras. Podemos nos referir a ela como uma mulher carente de afetos, atenções, desamparada e desprotegida pelo esposo, bem como independente.
Dilermando, um jovem de dezessete anos, conhece Anna numa época em que vive solitário numa pensão desconfortável, logo depois de haver perdido seus pais. Apesar de seu papel no drama da Piedade: aquele que matou o escritor famoso depois de traí-lo com sua esposa – não recebe nas publicações a respeito informações mais completas sobre sua personalidade e antecedentes históricos a não ser de seu advogado Evaristo de Moraes, que o instrui a juntar aos autos várias cartas de familiares e amigos que atestam sua conduta sempre digna, sua qualidade de bom aluno, merecedor do reconhecimento dos mestres e colegas. Sobre si, ele diz que seu único erro foi amar uma mulher casada, cujo marido se mantinha sempre ausente, sem nem mesmo uma fotografia que o representasse. É interessante saber que Evaristo cita Édipo nos auto de defesa que apresenta ao júri.
Dilermando e Anna se revelam dois seres carentes e solitários em busca de amparo e proteção. Ela encontra nele o amor e a paixão juvenil que lhe fora negada; ele encontra nela a presença estável de uma mulher madura, uma mãe, capaz de organizar e manter família e lar. Anna permanece fiel a ele e a seus filhos durante toda a vida; ele não consegue administrar a ira social e familiar que lhe abateu depois da tragédia e lhe abriu ferida narcísica em constante dor. A sociedade exalta o escritor, seu irmão o responsabiliza pelas suas limitações – o amor não resiste a tanta culpa; assim como ninguém mata seu objeto de desej Euclides matou porque estava doente.
(*) psicóloga e psicanalista