O artigo de Mirian Goldenberg (FSP Cotidiano – 8/4/14) deixa uma pergunta no ar: será que as mulheres que reproduzem ideias preconceituosas sobre o relacionamento homem/mulher percebem sua parcela de contribuição na permanência das mesmas e na manutenção da tão decantada e inaceitável violência do masculino sobre o feminino? Seu texto faz uma análise dos resultados da pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), amplamente divulgada e questionada, onde 58,5% dos participantes aceitam o seguinte argument “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”. Gostaria de apresentar versão diferente para uma análise do mesmo fato.
A ascensão econômica e cultural feminina provoca novas demandas ao masculino já às voltas com seu processo de adaptação ao momento atual – individualismo extremo, primado do eu, exigências extremas, necessidade de alta performance e concorrência incessante no mercado capitalista. Da mulher surgem solicitações relativas ao homem para que estivesse mais de acordo com suas próprias mudanças, ou seja, um comportamento que permitisse complementação e divisão nas tarefas maternas e na organização familiar – características que antes não eram exigidas. Ao mesmo tempo, a mulher continuou esperando determinadas reações do tradicional modelo homem/macho, instituindo assim contradições e ambivalência.
Percebe-se, também, atualmente um “barulho” extremo em torno do sexo, instigando a “vontade de saber” daquilo que sempre foi vetado, uma tagarelice e uma vulgaridade que parecem ter encoberto a fantasia e o desejo, levando-nos a concluir sobre a existência de uma dessexualização da vida contemporânea, em acordo com a fala de Calligaris ao comentar o filme – De olhos bem fechados: parece que ao abrirmos tanto os olhos para o sexo, arregalamo-los, o que pode ser uma maneira de fechá-los, de tanto querer ver, não vimos nada, “pois o sexo, de fato, não é feito nem de piadas nem de bundas. Sexo é um jogo de fantasias, nem sempre claras, cômodas ou confessáveis”. Ou seja, no “tudo pode” nada fica encoberto, no mais-sexo das sociedades de consumo resta apenas um “mas”: mas o sexo habita essa impossibilidade de tudo dizer, saber e fazer.
Como atestado deste esvaziamento sexual e sensual, a contemporaneidade realiza a proeza da descoberta/produção do Viagra: medicamento de fácil acesso e relativa segurança, capaz de produzir um mais-gozar: prazer sexual mais intenso, mais prolongado, mais viril; que viria tapar o cansaço, a rotina, a falta de desejo, a inibição, o conflito, o medo e o tédio, ameaças presentes no desempenho sexual. Talvez as respostas femininas à pesquisa do Ipea sejam a expressão do desejo sempre presente de manutenção do seu poder de atração sobre o masculino. Uma atração que poderia até se tornar fatal, mas seria sempre capaz de lhe trazer à mão o companheiro desejante!
(*) Psicóloga e psicanalista