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Por que tanto sofrimento?

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 26/01/2021 às 19:15Atualizado em 18/12/2022 às 12:07
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A alta incidência de queixumes que se repetem indefinidamente e invariavelmente fazem-nos pensar que estamos diante de uma força atual significativamente presente no imaginário popular, responsável pelas lamúrias, prenhes de sofrimento, que aparecem no dia a dia de grande parte da população. Percebo também que existe muito prazer pessoal no relato destas dores e tristezas. Numa roda de amigos, quando um relata uma dor, cada qual sente necessidade de contar também seus desagrados e/ou desagravos. Pensando nestas situações, recordei cenas da minha vivência pessoal que podem lançar luz sobre esta obscura necessidade que se transforma num modo de vida.

Minha mãe – Sylvia Borges de Andrade Borba – teve na sua formação grande influência das Irmãs Dominicanas, responsáveis pela educação das uberabenses e região desde 1885, ano que marca a chegada e o início das atividades educacionais em Uberaba. Assim, tornou-se católica fervorosa e ativa na vida espiritual da cidade. Durante anos, promoveu a Festa do Rosário, mantendo a tradição do rosário diário durante 15 dias e finalizado numa grande celebração festiva (quinze rosários/quinze dias).

Durante grande parte da sua vida, carregou com orgulho no peito o crucifixo – símbolo católico ligado à paixão e morte de Jesus Cristo – que depois abandonou definitivamente. Explicou-se dizendo que não queria mais passar essa mensagem de sofrimento que, a seu ver, o crucifixo divulgava, apregoando dor e martírio a todos. Dessa forma, os católicos se reconheceriam na dor e no sofrimento e sentiam internamente uma premência pelo martírio, pois, quanto mais sofressem, mais perto de Deus estariam.

No entanto, podemos analisar sob outro ponto de vista: o medo de sofrer leva à esperança do não sofrimento, desta esperança à segurança e ao contentamento e destes à paz. Todavia, aqui, o percurso é mais complexo e sinuoso. Nem toda esperança é esperança, podendo ser disfarce do medo que nela se prolonga: “enfurecidos contra a dominação e possuídos pela fúria e pelo ódio, os dominados esperam de alguém ou de alguns a liberação; preparam-se para opressão futura, destituindo um senhor para dar-se a outro que os dobrará à servidão.” (Tratactus politicus). Não é qualquer esperança que vence o medo. Este parece centrado sobre os efeitos da força tirânica do detentor do poder, sem chegar a perceber as causas que a produziram. “É muito fácil derrubar um tirano. Difícil é destruir a causa da tirania.” (Theologico-politicus).

Ilcea Borba Marquez - Psicóloga e psicanalista - ilceaborba@gmail.com

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