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Pressão do ócio: prisão consentida

Os que se inscrevem para participar do BBB têm um objetivo bem claro: um minuto de fama, que possivelmente poderá se transformar numa carreira artística.

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 14:18
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Os que se inscrevem para participar do BBB têm um objetivo bem clar um minuto de fama, que possivelmente poderá se transformar numa carreira artística – atores ou modelos. Alguns alcançam essa meta e hoje estão nas telinhas dos telespectadores; muitos voltam para o anonimato e sequer os reconhecemos nos espaços sociais compartilhados. Talvez se pense que esta estadia “na casa mais vigiada do país” seja pura farra e gozo! Mas, a realidade é bem outra.

Em 12/05/03 (JM) no artig “Do brother Sade flagrado na casa dos artistas” comentei sobre a intrigante semelhança entre o cenário dos romances do Marquez de Sade com os dos atualíssimos reality-shows, cujo princípio fundante é a igualdade absoluta de um mundo novo (época da Revolução Francesa), onde o que importa é o poder, amiúde brutal e cruel, cujas cenas se desenrolam num aprisionamento.

Lídia Prata na coluna “Alternativa” de 3/02/09, neste jornal, expôs o crescente sadismo que sofrem os “irmãos” enclausurados e desnudados publicamente pelo programa, que agora também enfrentam encarceramentos em jaulas ou em cubículos brancos sem vaso sanitário ou chuveiro.

Em 1944 Sartre escreveu “Entre quatro paredes”, cujo drama era ambientado no inferno. Os personagens – um homem e duas mulheres – chegam a um salão, sem aberturas para o exterior, apenas uma porta lacrada, iluminação constante e invariável, que os faz perderem a noção do dia e da noite, e onde, enclausurados, são condenados a uma vida sem interrupção e descanso, o que a torna insuportável.

A metáfora sartriana para o inferno desliga-o da imagem cristã de satanás, fogo e castigo, e o apresenta como uma vida sem interrupção, interminável e sempre diante dos olhos do outro. Um comentário dito na peça esclarece o sentido transmitido pelo escrito de Sartre: “Vai ser sempre dia diante dos meus olhos. E na minha cabeça”. O homem conviverá diuturnamente consigo mesmo, com um eu interior fadado ao sofrimento, definido como um fantasma de sofrimento, donde ele conclui: O inferno é o outro!

Estamos diante do Inferno moderno criado por Sartre, e repetido pelo BBB 9: a orfandade de todos, o estranhamento sentido pela ausência dos objetos cotidianos, amados e conhecidos, a quebra de todos os rituais internalizados de cada um, e que os protegem com a couraça do hábito, a perda do contato com o externo, a necessidade de viver não mais no mundo, mas de suas paisagens mentais, e recebendo imagens de si provenientes dos olhares dos outros, que põem em questionamento sua própria identidade.

(*) psicóloga e psicanalista

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