Quando os lazeres familiares eram as visitas que fazíamos nas casas dos tios, avós, amigos e parentes, sempre depois do jantar, de acordo com o grau da intimidade existente, o grupo se dividia e os mais jovens iam para outro cômodo ou outro lugar na sala, dependendo do tamanho desta, e davam início às brincadeiras de salão, que poderiam ser jogos ou teatros. Na nossa família temos uma prima um pouco mais velha que, nessas ocasiões, liderava o grupo dos menores, ensinando a peça e dirigindo os atores. Um teatro que adorávamos e sempre repetíamos era a dramatização de uma venda de fita que seguia o seguinte texto, para sempre lembrad Acompanhada pela vovó, meiga e formosa ela entra numa loja de armarinhos. Imediatamente, um vendedor, encantado com a simples visão daquela donzela, se apressa em servir. – Pois não, senhorita, em que posso servir-lhe? Ao que ela responde com muito charme: – Tem fita cor de rosa? – Temos, sim, senhorita. – Quanto custa? – Um beijo cada metro! – responde o caixeiro. Pensativa, ela diz: – Bem, é caro, mas enfim dê-me dez metros desta fita! O caixeiro, como um raio, corta a fita quase num desmaio, sem ter sequer da tesourinha dó. – Pronto, senhorita, o pagamento, agora! E ela responde, faceira, virando as costas para o vendedor: – Quem paga as contas é a vovó!...
Enquanto brincávamos, ainda não sabíamos da importância daquele aprendizado para nossa vida. Como todas as brincadeiras aparentemente sem sentido das crianças, esta também se mostra, quando analisada, plena de significado e lição de moral. Assim dramatizávamos que cada um deveria responsabilizar-se pelo pagamento de suas contas; que seria uma atitude frívola deixar para o outro os pagamentos comprometidos e aceitos. Aprendíamos, também, que as “segundas intenções” do vendedor constituíam um erro, com inesperada punição. Este teatro encenava, com eficiência, o jogo de sedução, a frivolidade da compradora e a concupiscência do vendedor, que, atualizada, poderíamos falar do “jeitinho brasileiro de querer tirar vantagem em tudo”: em suma, um jogo perverso.
Ontem fomos mais uma vez surpreendidos com a volta da CPMF por até quatro anos, com o congelamento dos salários do funcionalismo público federal, com os cortes de vagas e a suspensão de concursos, numa economia cuja inflação já alcança dois dígitos por mês! Um jogo perverso, em que reconhecemos a frivolidade de um governo mais preocupado com o poder, a concupiscência dos vendedores de serviços e a cumplicidade dos intermediários que sabem, calam e se aproveitam do “butim”!
Nunca foi tão clara a realidade governamental: o Estado não cria riquezas, apenas distribui pobreza, enriquecendo a si mesmo, confundindo a representação do Estado com a apropriação de prerrogativas. A camada dirigente é ao mesmo tempo ineficaz e corrompida, funcionando arbitrariamente, mandando a conta para “o povo”.
(*) Psicóloga e psicanalista