As crianças não têm nenhum escrúpulo moral em bater ou em apoderar-se do que não lhes pertence – os bens dos outros – e sentem grande prazer em demolir ou destruir os objetos que podem alcançar. É sob a influência da educação que ela aprende aos poucos e dificilmente a renunciar à satisfação destas tendências agressivas e acaba por recalcá-las tão bem que por vezes o adulto normal ignora trazer em si essas forças antissociais. No entanto, a supressão destas forças agressivas não é tão completa como seria preciso e suas manifestações acontecem em qualquer agrupamento humano facilmente comprováveis. Também é fato que uma parte das forças agressivas subsiste normalmente na vida social e é, aliás, desejável: o espírito de competição nos esportes, na vida profissional e amorosa ou ainda no dever militar de defesa social.
O articulista J.R.Guzzo comenta no texto “Justiça injusta” uma foto captada no Maranhão onde um grupo de indígenas submete quatro homens seminus, deitados de bruços, com as mãos amarradas nas costas, totalmente à mercê do ódio vingativo grupal já que se trata de madeireiros clandestinos que invadem as terras indígenas e agridem a natureza.
A foto é chocante porque vivemos um momento cultural onde os índios são percebidos como os grandes injustiçados sociais, anteriormente invadidos e roubados em seus bens mais valiosos – a terra que lhes pertencia! Esse fato, comprovado pela fotografia, revela uma cena de ódio agressivo, sustentada pelo objetivo de defesa territorial, mas que na verdade toma a ordem judicial em suas próprias mãos em situação de humilhante perversidade. Abandonando a ideia reinante de que “um ato é bom ou mau conforme quem o pratica”, o instantâneo mostra os inofensivos índios oprimindo e torturando os sempre percebidos opressores brancos, numa ação vingativa no mínimo atrasada no tempo, uma vez que estão assimilados culturalmente.
Sabemos que pertencer a uma multidão facilita a eclosão de estados de agressão violentos, se bem que passageiros entre indivíduos que, tomados isoladamente seriam incapazes de tanta agressividade. Sabemos também que o processo identificatório que sustenta a formação de grupos apresenta destinos diferentes ao amor e ao ódio presentes nos relacionamentos de base afetiva da seguinte forma – o amor se dirige aos membros do grupo e o ódio aos que se encontram excluídos ou fora da formação grupal. Esses afetos assim cindidos são vivenciados em seus estados de pico – aumento da força de vinculação amorosa aos incluídos e violência destrutiva aos excluídos, tornando altamente perigosa qualquer atitude fruto de tão singular estruturação. Em outras palavras a identificação resultante da formação de grupo favorece a eclosão de atos hostis em relação aos que permanecem estrangeiros, e isso vale também aos sectarismos políticos/partidários.
(*) Psicóloga e psicanalista