O retumbante sucesso da trilogia “Cinquenta tons” mostrou-nos que a mulher está desejosa de entender suas questões estruturais enquanto ser feminino desejante e desejada, ou seja, saber e compreender as artimanhas do prazer sexual na vida feminina mais uma vez comprovando a imensa lacuna ainda existente. Este tema tem se repetido em encontros de profissionais, em debates filosóficos e sociológicos, sempre que se dê oportunidade ao dialogo de mulheres, o que sugere a necessidade de fazê-lo.
O casamento não demanda mais o monopólio do prazer, atualmente estendido às relações interpessoais como um todo. Todavia, ainda se apresenta pelas contribuições filosóficas e históricas como o lugar social onde o prazer sexual, a paixão amorosa e as volúpias físicas são vividas intensiva e extensivamente no tempo. Pelas teorias estoicas, compreende-se que o velho princípio da decência conjugal assume tanto mais valor quanto mais o casamento tenda a constituir o único “lugar” lícito, legalmente, para os prazeres do sexo. Esta lei determina que as relações sexuais estejam presentes no casamento e em nenhum outro “lugar”, mas, por outro lado, como uma sabedoria popular à sombra da lei – adverte-se que a relação conjugal seja diferente daquela entre amantes, pois, iniciando a própria mulher em prazeres demasiado intensos, corre-se o risco de lhe dar lições de que ela fará mal uso, e em relação às quais se ficará arrependido por lhes ter ensinado... Estes conselhos são dados a ambos os esposos: que eles encontrem um caminho mediano entre uma austeridade excessiva e uma conduta demasiado próxima dos devassos, e que o marido tenha sempre em mente que não se deve “ter relação com a mesma mulher, ao mesmo tempo como esposa e como amante” (Plutarque). Quer sob a forma de uma tese geral: “comportar-se muito ardentemente com a própria mulher é tratá-la como adúltera” (Seneque).
Para compreender o sentido desse tema nos estoico que o formulam, é preciso lembrar que para eles o princípio natural e racional do casamento o destina a ligar duas existências, a produzir uma descendência, a ser útil para a cidade e a beneficiar o gênero humano na sua totalidade; buscar no casamento, prioritariamente, sensações de prazer seria infligir a lei, reverter a ordem dos fins e transgredir o princípio que deve unir, num casal, um homem e uma mulher. De uma forma mais concreta, porém, o problema que se coloca é o de saber qual estatuto e que formas a prática dos prazeres devem tomar nas relações de casamento, e sobre que princípios os preceitos de sua limitação interna poderão apoiar-se.
A austeridade intraconjugal será, mais precisamente, justificada pelas finalidades naturais e racionais que são reconhecidas no casamento. Em primeiro lugar, é claro, a procriação. Não se deve dar o prazer como fim para um ato que a natureza dispôs para a procriação, e se os desejos do amor foram dados aos homens, não é para que provem da volúpia, mas sim para que eles propaguem sua espécie. A segunda grande finalidade do casamento – a ordenação de uma vida comum e inteiramente compartilhada – constitui o outro princípio que invoca a austeridade no seio das relações conjugais. A obrigação de fazer da esposa uma companheira para a qual se abre a alma impõe que se tenha por ela um respeito que não se dirige somente à sua posição e a seu status, mas à sua dignidade pessoal. No entanto, se a vida de casamento deve ter por fim a constituição de uma comunidade perfeita – uma verdadeira fusão de existência – vê-se que as relações sexuais e os prazeres, se são compartilhados e assumidos em comum, constituem um fator de aproximação entre os esposos. Neste tempo teórico a mulher está passiva e submissa ao homem conhecedor e poderoso.
(*) Psicóloga e psicanalista