Todos reconhecem nos tempos modernos a marca valorosa da aparência em detrimento da essência e do intrínseco, mas nos séculos XVII e XVIII, quando paixão significava glória, honra, e reputação, os homens agiam e sentiam prazer ou desprazer à medida que aqueles atributos lhes eram atribuídos pelos outros. A busca pela aceitação social ou pelo renome levava ao extremo a preocupação com a imagem que os outros viam de cada um. Assim, a opinião pública se opunha à intençã quando os outros me valorizam ou depreciam pelo que de mim é visível não importa o que eu esteja sentido no mais íntimo, já que o universo das intenções, a consciência, não pode ser visto pelo outro.
A força desta externalidade fica comprovada quando relembramos o filme italian Por uma questão de honra. Um homem se vê forçado a fugir de sua aldeia, na Sicília, acusado de um crime que não cometeu. Para ser absolvido, os chefes da Máfia exigem que ele volte às ocultas e pratique outro crime, do qual não será suspeito, é claro, porque ninguém saberá de sua presença. Mas ele é recém-casado e foi obrigado a fugir antes mesmo de consumar seu matrimônio, assim aproveita o seu retorno às escondidas para passar uma noite com sua mulher. Quando é absolvido e pode retornar oficialmente à aldeia, sua mulher está grávida. Ele contará a todos que o filho é seu? Neste caso, será condenado a longa pena de prisão; pior, nem acreditarão nele, e sua honra também se perderá. Resta-lhe a seguinte alternativa: ou aceita o suposto adultério da mulher, e a infâmia para si, ou mata-a, e assim recupera a honra, até mesmo a aumenta, porque se limpou da indignidade. É esta a sua escolha, difícil e trágica. Ele sucumbiu à opinião pública, salvando sua “honra”, mesmo que à custa de destruí-la em sua mulher, ou melhor, sem nem levar em conta a esposa e seu renome, pois se trata de um drama característico a uma sociedade de homens. Numa ação dessas não contam a verdade ou a intenção – apenas o aspecto público, a fama ou infâmia. O que importa não é o que se é, mas o que parece ser.
A preocupação com o interno ou as intenções é herdeira do cristianismo e seu dogma da salvação, individual. Para ser salvo é necessário atingir o âmago individual: as inclinações, os objetivos e a verdade de cada um, mesmo que seja em detrimento do lado público. A figura do Cristo crucificado instaura definitivamente a dicotomia entre o aparente e o ser: Ele foi crucificado ao lado e da mesma forma que os ladrões, mas, na verdade, Ele é o “Salvador”. Sua imagem na cruz, que os cristãos carregam no pescoço, invoca a separação entre o que “parece ser” e o mundo interno das intenções e da verdade, em total e permanente confronto com a honra aparente.
(*) Psicóloga e psicanalista