Solicito aos ouvintes de hoje, antes de qualquer coisa, a simpatia e a intuição porque pela primeira, a simpatia, vocês irão contribuir com sua parcela de entendimento decifrando o indizível, e pela segunda, a intuição, vocês contribuirão com uma disposição para a percepção do inconsciente como outra coisa que nos habita um conhecimento prévio – ambas condições, segundo Fernando Pessoa, para a compreensão de um texto, pois aqui iremos falar daquilo que quase não pode ser falado, a poesia e a escrita nesse movimento de representação do irrepresentável.
Imaginemos o prazer do explorador ao entrar numa caverna e encontrar marcas nas pedras revelando que, naquele mesmo lugar, em época remota, “alguém” deixou registrado, para sempre, cenas da vida cotidiana de um grupo humano que viveu ali. Imaginemos o prazer experimentado, quando numa busca em regiões remotas alguém encontra arquivos de uma propriedade rural ou ainda um diário com registros, dia a dia, da vida de uma jovem nas suas conquistas ou perdas afetivas. Imaginemos o prazer dos leitores ao abrir as páginas de um livro, do seu autor preferido, e assim desfrutar da experiência única de se transportar ao cenário de uma série de cenas dramáticas, de suspense, de magia aventureira criadas para o seu deleite. Isto é do homem: vencer a barreira do corpo com sua necessidade e buscar objetivos ousados por puro prazer. Assim é a imortalidade do homem que se estende além do curto tempo da sua vida. É assim que ainda hoje reencontramos o poeta simbolista Cruz e Souza, o professor Leonardus Paulus Smeele e a poetisa Irmã Maria Domitília Ribeiro Borges – eles fizeram atemporalmente uma coisa que ficou.
“Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso.
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.”
(Violões Chorosos – Cruz e Sousa)
O homem faz poesia, escreve contos, romances e ficções manifestando assim uma paixão pela linguagem que o domina e submete. Nos contos, romances e ficções a linguagem serve de transparência permitindo ao leitor acompanhar o sentido. Na poesia, o sentido se esconde nas palavras e o poeta usa palavras enfatizando sua música, sua forma e suas relações com as outras palavras. (continua)
(*) Psicóloga e psicanalista