O texto de A. Conté - Os ditadores do Século XX - enumera 132 ditaduras
O texto de A. Conté - Os ditadores do Século XX - enumera 132 ditaduras em 169 países do mundo em 1984. Dentre eles citaremos: Mussolini, Franco, Hitler, Stalin, Mao Tsé-Tung, Perón, Getúlio Vargas e Idi Amin Dada, responsáveis por uma impressionante mitologia: todos afirmam e divulgam origem de seres marcados pelo destino, cercados de uma “aura” misteriosa, novos “salvadores”, movidos por um secreto desejo de divindade, prontos para lançar-se contra a adversidade, a dominar o caos e a salvar os povos. Para um número crescente de historiadores e sociólogos, os fascismos, comunismos, totalitarismos, corresponderiam na ordem política a uma verdadeira explosão de religiões materiais novas, “modernas”, “profanas” e “seculares”. Eles também afirmam que o poder dos ditadores baseia-se em um misterioso ato de fé, em uma “figura” de natureza mítica indecisa e extraordinariamente ambígua, e se instala nos limites do religioso, do espiritual e do político, estando, portanto, fora do campo da racionalidade.
As mesmas condutas e ações políticas/governamentais que expressam em seu bojo igualdade de valores e objetivos entre Bolívia, Venezuela, Argentina e Brasil me fazem tremer todas as vezes que somos surpreendidos por notícias vindas desta pequena comunidade latino-americana. Assim aconteceu com a recente criação pelo governo kirchineriano da Secretaria de Coordenação Estratégica para o Pensamento Nacional, cujo objetivo fundamental seria “projetar e coordenar o pensamento nacional”. A utilização de construções linguísticas refinadas com “estimular a percepção do ser nacional”, ou ainda “interagir com as diferentes usinas de pensamento existentes no país” não conseguem esconder a feia verdade: a pretensão governamental de controlar e manipular o pensamento de todos os argentinos, numa tentativa grotesca de programar cérebros!
O culto do poder faz nascer na Europa, entre as duas guerras, regimes autoritários, verdadeiras religiões “seculares”. Os ditadores são deuses vivos, novos demiurgos da história. O autoritarismo é na vida cotidiana um fenômeno extremamente banal e não há obra literária que não descreva algum de seus aspectos – seres dominadores, prontos a abusar de uma forma de poder sobre o outro, sem qualquer consideração de ordem política ou religiosa que justifique seu comportamento. O instinto de dominação e a vontade de sujeição encontram-se por toda parte, alimentados pela violação permanente das proibições que deveriam contê-los ou reprimi-los. Se na verdade o “sagrado” é o que é “separado, proibido, outro” em oposição ao que é “profano, banal, lícito, normal” a contínua transgressão de suas fronteiras no secreto da existência ordinária de cada um talvez seja a principal prova da vontade de poder e de suas expressões místicas mais espetaculares. Corresponderiam o stalinismo, o nazismo, os totalitarismos a simples acidentes da história? Estaríamos, atualmente, alimentando novos demiurgos?
(*) Psicóloga e psicanalista