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Tempo de tragédias, tempo de revelação

Pela expressão corporal dos haitianos, veiculadas nas imagens que chegam até nós via satélite, reconhecemos facilmente os sinais de estupefação resultado da sensação de desamparo

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 20/01/2010 às 20:08Atualizado em 17/12/2022 às 05:51
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Pela expressão corporal dos haitianos, veiculadas nas imagens que chegam até nós via satélite, reconhecemos facilmente os sinais de estupefação resultado da sensação de desamparo advinda quando tudo parece desmoronar e se tornar irreconhecível! Braços abertos, gritos ou lamúrias ou ainda mãos na cabeça e expressão de incredulidade, acompanhadas de um andar à esmo, sem direção, sem objetiv sem saída e sem chegada. Num segundo tudo se torna desconhecido. A solidez das construções onde foram usados os elementos considerados de maior resistência e durabilidade: os aços, agora retorcidos, ao invés de proteger transformam-se em objetos perigosos, cortantes e invasivos. As construções monumentais humanas criadas para proteger, conter, abrigar e que lhes davam uma certa ideia de  grandeza, de poder controlar a natureza mostra seu lado falacios as forças naturais são surpreendentemente fortes e sem amarras.

Neste mesmo instante uma outra força, agora realmente humana - solidária – se revela poderosa, crescente como uma onda que ao envolver todos produz união apagando as diferenças e barreiras culturais tornando-se internacional.

O dicionário nos informa que solidário vem de sólido + ário e, a partir desta soma, se transforma no adjetivo caracterizante daquele que partilha o sofrimento alheio, ou se propõe mitigá-lo. Para que este sentimento exista é necessária uma identificação, uma experiência de ser capaz de experimentar a dor do outro como se fosse sua; isso explica porque são aqueles que talvez tenham apenas duas latas de óleo em casa e, no entanto, se propõem a doar uma delas aos fragilizados pelas tragédias.

Por outro lado, na ausência do vínculo identificatório, outros não se solidarizam e podem até mesmo querer tirar vantagem desta situação especial. Assim também vimos, aterrorizados, aqueles que matam para tirar um pouco do dinheiro que ainda restava na carteira do sobrevivente! O caos social se presta a revelar o avesso do homem: o homem solidário, que se sensibiliza com a dor do outro e tenta torná-la menor; o homem superior, indiferente, incapaz de reconhecer-se na fragilidade desesperante daqueles e, portanto, incapaz de ajudar; o homem ladrão que tenta tirar proveito da perda momentânea dos limites e sanções presentes nos outros tempos que, então, o fazia sentir-se o mais fraco de todos!

(*) psicóloga e psicanalista

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