ARTICULISTAS

Um desafio - Arte de ser mulher

No dia de minha posse na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais em Belo Horizonte...

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 04/01/2017 às 19:27Atualizado em 16/12/2022 às 15:55
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No dia de minha posse na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais em Belo Horizonte, recebi da autora Elizabeth Rennó um exemplar de “Concha – Lua”. Agora, com um pouco mais de tempo, peguei-o na estante e iniciei a leitura. O texto despertou tamanho interesse que não conseguia interromper. Fiquei totalmente envolvida na trama, tentando até mesmo antecipar os fatos apenas sugeridos inicialmente.

A suavidade doce das reminiscências infantis em cada carta enviada por Elisa à prima Vera atendiam ao motivo desencadeador do seu iníci na noite de “réveillon” em 1989, Vera e seu marido, Jorge, saíram no Bateau Mouche para comemorar a entrada de mais um ano e viveram a tragédia lembrada ainda hoje. Deste naufrágio ficaram as marcas corporais em fraturas dolorosas, que impediam a própria movimentação, e marcas afetivas, com a morte de Jorge, seu marido. Assim Elisa se propõe a “lembrar a nossa infância dentro da história de nossa família”, talvez tentando reinseri-la na própria vida, ao retomar “o fio da meada” que seu olhar vago sugeria perdido.

Após descrever detalhadamente o Casarão da Infância, Elisa foca seus familiares e habitantes: o Comendador, a esposa e filhos – a casa e o colégio. Logo criei imaginariamente a representação de uma jovem mulher nos seus juvenis 26 anos frente às múltiplas e diferentes tarefas: os filhos que chegavam anualmente, a organização e manutenção do espaço doméstico dentro dos rigores da limpeza e da ordem, sem perder, no entanto, o olhar no relógio, determinante para cada momento do dia a dia familiar. Além dessas obrigações diárias, ela ministrava aulas no colégio, de acordo com suas habilidades artísticas e culturais – Música, Bordado e Francês.  

Como responsabilidade das mais complicadas estava a de ser o elo apaziguador e facilitador das relações, quase sempre difíceis, entre o Pai e os filhos – aquele exigindo obediência cega; estes querendo assumir personalidade própria, desejos e metas diferenciadoras. Ao cabo de pouco tempo, ela precisou de atendimento médico, exaurida pelas exigências domésticas e profissionais. Ufa! Nós bem podemos imaginar!...

A autora a descreve como “mulher de fibra, condicionada à sua posição inferior de fêmea... cerceada pela condição que pesava ainda mais sobre as mulheres brasileiras de passadas décadas.” Quem não se reconhece hoje com esta mãe, “rainha do lar” (uma coroa pesada de carregar) e profissional tendo que dar conta de tudo! A diferença com os nossos dias talvez seja a prole numerosa e o terrível e radical autoritarismo paterno – “o Zeus todo-poderoso”. Na razão direta do poder feminino de gerar a vida e estruturar personalidades se assenta a tentativa social e masculina de subjugação e dominação para a recepção dos louros da sociedade.

(*) Psicóloga e psicanalista

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