As tentativas de moldar ou manipular a opinião pública sobre um dirigente político não é inovação do nosso século
As tentativas de moldar ou manipular a opinião pública sobre um dirigente político não é inovação do nosso século. Já na corte de Luís XIV, século XVII, observamos esta “fabricação de um rei” através da criação de imagens e cenas que se tornavam os cenários das pinturas, esculturas ou símbolos do rei e de sua corte. Estes três conceitos – propaganda, opinião pública e ideologia –, mesmo ausentes enquanto conceitos no século em pauta, já existiam como encomendas para aumentar a glória dos monarcas: o décor teatral de Versailles deve ser visto tanto como “mensagem” quanto “cenário” representativo do Rei Sol. Versailles serviu ao rei como um palco para ostentação de seu poder onde até mesmo o acesso ao monarca era cuidadosamente controlado e comportava uma série de etapas: os visitantes passavam de pátios externos a pátios internos, subiam escadas, esperavam em antecâmaras etc., antes que lhes fosse permitido vislumbrar o rei.
Existiu um mito de Luís XIV no sentido de que ele era apresentado como onisciente, invencível, divino e assim por diante. Era o príncipe perfeito, associado ao retorno da idade de ouro. Poetas e historiadores qualificaram o rei como “herói” e seu reinado como “uma série ininterrupta de maravilhas”, para usar as palavras de Racine. Sua imagem pública não era simplesmente favorável: tinha uma qualidade sagrada. Ele também tomava o lugar de Deus: os soberanos eram imagens vivas de Deus, os representantes da majestade divina.
Se por um lado pensar que também os reis tiveram suas imagens e seus feitos fabricados tais como agora os nossos governantes e suas ações governamentais, existe diferenças significativas e evidentes. A mais importante é a ascensão da legitimação por eleição popular. Luís representava Deus, ao passo que os governantes atuais representam a Nação e o povo. Atualmente, a organização da persuasão tornou-se ainda mais elaborada e sofisticada, graças à combinação de um regime presidencialista, eleições democráticas e um interesse pelos novos meios de comunicação. O crescente papel e o valor das Agências de Publicidade e Propaganda nas campanhas eleitorais reduzem o candidato a um produto que precisa ser vendido. Dessa forma, fabrica-se uma imagem que atenda aos anseios atuais. A distância social entre dirigentes e dirigidos foi abolida e em seu lugar foi criada a ilusão de intimidade com o povo. Daí a conversa ao pé do fogo, os telefonemas, os apertos de mão intermináveis, a juventude, o dinamismo e a vitalidade. E neste cinismo estamos todos nós, agora afundados e contaminados na vaidade, na megalomania e no narcisismo de alguns desejosos do poder.
(*) psicóloga e psicanalista