ARTICULISTAS

Violentar-se na apatia

Quando pensamos em cenas ativas e agressivas com muito barulho e destruição concluímos tratar-se de atos violentos.

Ilcéa Borba Marquez
ilcea@terra.com.br
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 14:26
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Quando pensamos em cenas ativas e agressivas com muito barulho e destruição concluímos tratar-se de atos violentos.   Acostumamo-nos a ligar ação, detonação ou até mesmo explosão à palavra violência. No entanto, nos esquecemos da violência da imobilidade, do ostracismo, do ócio.   Nossos jovens estão seduzidos pela tela, pelos jogos eletrônicos, pela cultura da expiação voyerista dos programas “Grande Irmão”, pelo show dirigido da vida, que parece divertimento fácil e assim ocupam a maior parte do seu tempo no computador ou TV, em lugar de construir laços sociais e circular pelo mundo.   A proporção crescente de jovens que se isolam no quarto, em frente à tela do computador, indiferentes ao mundo, apáticos e inibidos impressionam e pedem compreensão. Em alguns casos os jovens abandonam os estudos ou o trabalho em troca do espaço restrito do seu quarto, onde navegam na internet, assistem seriados ou programas e, até mesmo, são bombardeados com inúmeras propagandas que lhe dão a ilusão de que exercem um poder decisório sobre os acontecimentos do mundo. Há uma comunhão vicariante entre ele e as cenas televisadas, numa retomada da onipotência narcísica (fantasia de poder total e absoluto sobre si mesmo e sobre o mundo em que vive). Segundo Pascal Bruckner, a televisão constitui-se na forma mais simples de preencher o tempo, saciando por procuração nossa sede de peripécias e derivativos fáceis.   Para Maria Laurinda Ribeiro de Souza se o que caracteriza os nossos tempos é a hiper intensidade, hiper mobilidade, o motocontínuo da ação, a figura desviante pode, então, ser reconhecida pela incapacidade de se “comover” com o mundo, de se deixar afetar por ele. Se o mundo atual nos exige ação contínua, aceleração máxima, brilho narcísico e ímpeto impulsivo, a apatia representa a negação desta realidade, explicita o desejo de parar para não ser engolfada pela passagem alucinante do tempo. Para Pontalis significa imitar a morte no próprio núcleo do ser.   O apático mostra, pelo seu comportamento contrário à ordem das coisas atuais, uma revolta, mas não no sentido da autonomia e sim no desligamento, no fechamento. Reconhecemos nesta imobilidade/estagnação a submissão ao desejo de morte, onde um ser utiliza seu próprio quarto como “tumulo” de um “morto/vivo”, que desistindo de pertencer à vivacidade do mundo desinveste seu próprio eu.   (*) psicóloga e psicanalista ilcea@terra.com.br Ilcéa Borba escreve às quartas-feiras neste espaço

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