A notícia de supostos abusos sexuais praticados pelo médium conhecido como “João de Deus” causou grande explosão de comentários nos últimos dias. Obviamente que, até o momento, tais comentários nada mais são do que suposições, eis que não há elementos suficientes para qualquer conclusão. De qualquer forma, a situação oferece ao observador atento uma oportunidade de reflexão.
Quanto aos fatos, o ideal é que se aguarde o resultado das investigações e as demais ações cabíveis por parte da Polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário. De início, o que se pode constatar é que a situação do acusado é grave, dada a natureza das acusações e a quantidade de depoimentos que convergem em um mesmo sentido. Entretanto, é importante ter em mente que, em qualquer Estado civilizado, se devem respeitar princípios, tais como a presunção de inocência e a ampla defesa, os quais constam expressamente na Constituição Federal Brasileira.
Como os acontecimentos envolvem a espiritualidade e os valores morais, não é demais destacar, desde já, que quaisquer julgamentos precipitados podem ser considerados, no mínimo, falta de caridade.
É importante que se esclareça que, conforme ensinado por Allan Kardec, o codificador da Doutrina Espírita, a mediunidade, definida como a faculdade de se comunicar com o mundo espiritual, para a maioria das criaturas, representa prova e/ou expiação, sendo uma ferramenta importante para a educação moral do espírito encarnado dotado dessa capacidade. Deste modo, não se deve enxergar os médiuns como criaturas acima da Humanidade e isentas dos defeitos e vícios morais inerentes à condição humana.
Nesse contexto, e a despeito de todo o bem que determinado médium pode praticar ou ter praticado, tanto neste como em outros casos, é possível que ocorram abusos, os quais são permitidos por Deus para o chamamento constante de toda a Humanidade quanto às suas obrigações morais neste mundo.
De qualquer forma, esse acontecimento, independentemente do resultado da apuração dos fatos, remete a esta importante passagem do Evangelho de Jesus: “Ai do mundo por causa dos escândalos; porque é necessário que venham escândalos; mas ai do homem por quem o escândalo venha”. (Mateus, XVIII: 6-11)
Um último fato, não menos importante, é diferenciar a atuação do referido médium daquilo que é preconizado pela Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec. Esta última não se utiliza de rituais, dogmas, imagens, símbolos e hierarquia, entre outros, tal qual ocorre na Casa de Dom Inácio de Loyola, local de atuação de João de Deus. Inclusive, tal fato foi esclarecido pela Federação Espírita Brasileira (FEB) por meio de nota e entrevistas concedidas por seus representantes.
Essa distinção é importante para que não se confunda o espiritualismo (gênero) com o espiritismo (espécie). Este último tem, como fundamento principal, a moralização do espírito encarnado, por meio do intercâmbio incessante entre os mundos visível e invisível, sendo a atual representação do Cristianismo na sua simplicidade originária.
Não há qualquer pretensão de esgotar o assunto por meio dessas palavras, as quais nada mais são do que meros pontos de vista pessoais, sendo certo que, na Doutrina Espírita, encontrar-se-ão respostas muito mais seguras e pertinentes acerca do assunto.
(*) Espírita kardecista, advogado e professor universitário
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