Os cidadãos uberabenses acompanharam, na última semana, um acirramento de ânimos entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário locais, representados respectivamente pelo Prefeito Municipal e pelo Juiz Titular a 1ª Vara Federal desta Subseção Judiciária, motivado por decisão proferida no dia 26/05, suspendendo a vigência do novel Decreto 5.555 do dia anterior, que autorizava, com a observância às medidas sanitárias, o retorno do comércio na cidade.
A partir deste cenário, agravado por uma manifestação de repúdio por parte do Prefeito e pelas diárias manifestações de parte da comunidade uberabense, ambas com o foco na conduta do juiz, é pertinente que se analise os acontecimentos à luz da independência e harmonia entre os poderes, prevista na Constituição democrática de 1988, de forma a se buscar uma compreensão racional, ponderada e geral para a questão.
O uso do termo “democrática” não foi casual, pois tem a intenção de destacar que viver numa democracia não é viver sob o jugo da maioria, mas sob o império da lei, no qual as minorias necessariamente devem ter os direitos respeitados. Por esta razão, os membros dos poderes Legislativo e Executivo são escolhidos diretamente pelo povo, enquanto que os membros do Poder Judiciário ingressam na carreira por meio de concurso público de provas e títulos.
Outra peculiaridade do Poder Judiciário é que, via de regra, este age por provocação dos interessados e não de ofício. Significa dizer que o atacado juiz não acordou numa manhã fria e ensolarada de maio e resolveu fechar o comércio da cidade, mas que a decisão decorre de uma provocação anterior, no caso, do Ministério Público Federal, na qualidade de representante da sociedade.
Ademais, o Poder Judiciário, diferentemente dos demais poderes que se constituem pelo voto, não objetiva, pelo menos em teoria, a agradar aos cidadãos, sendo que, pelo contrário, em muitas situações, possui o que se chama em filosofia do direito de atuação contra majoritária. Em outras palavras: é bom que, num estado democrático de direito, os juízes não estejam à mercê dos interesses de certos setores da sociedade, de modo que gozem da imprescindível liberdade para decidir conforme a lei, ainda que contra os interesses de uma maioria, a qual nem sempre está com a razão, conforme demonstra a história da humanidade.
De modo que, decisão judicial que desagrada quem quer que seja – inclusive o Prefeito – deve ser combatida com os instrumentos da lei, não com choro (real ou ficto) e muito menos com o incentivo à desobediência civil. Negar esta premissa é aceitar o estado de barbárie, o qual pode ser vantajoso momentaneamente para alguns, mas certamente será danoso para todos num futuro não muito distante.
José Elias de Rezende Júnior
Advogado e professor universitário
jose.elias@rezenderezendead