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Adeus a Luiz Crosara

José Humberto Guimarães
Publicado em 26/01/2022 às 21:03Atualizado em 19/12/2022 às 00:26
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Luiz Crosara desencarnou no dia 25 de janeiro de 2021. Homem dado à comunicação, um dos mais potentes e gloriosos donos desse dom em todo o Brasil. Ali, pelo Canal do Boi, Crosara administrava com afã de mestre essa continuidade de mundo. E sabia falar bem demais da bosta do boi e da sua carne. Era isso que o tornava abrangente em termos de abraços em torno de toda essa situação socioeconômica, essa rica cultura da terra. Para ele, ver o boi assumindo toda essa potência, fornecedor de alimentos, era a glória em toda a sua pujança. Porém, Crosara tinha outras faces que se mostravam muito distintas e que traziam a Guaxima estampada em toda a sua figuração. Esses italianos têm esses espectros e os cultivam com a bonomia dos escolhidos. Era isso mesmo que acontecia com ele. Um homem com os estilhaços de alegrias enfiados em uma guirlanda de ações que iam da cozinha – bom cozinheiro ele era – até a busca da iguaria perfeita para ser servida. Diante disso tudo, Crosara resolveu voltar ao caminho antigo, quis montar um boteco e servir ali comida de qualidade. Para ele, comida de qualidade, dentro de todas as razões, ia do torresmo com mandioca em seu ponto exato de fritura até o peixe que se põe crocante diante de um freguês que precisa entender que a pimenta cumari é a melhor do planeta na hora de puxar o sabor sem deturpar a essência do prato. E que, segundo ele, esse pepininho caipira, quase aproximado do cornichon francês, é o melhor tira-gosto que Deus deixou sobre a face da terra. Por isso mesmo, estas celebridades nunca faltaram em sua mesa. E fazia disso um luxo simples e pueril, mas que trazia a razão de uma eternidade que não poderia ser colocada em dúvida jamais.

Há muitas maneiras de se falar de um homem. Algumas delas falam mais do cerne, umas que vêm do coração. Crosara tinha que ser tratado assim e agora continua a ser tratado assim. Tinha nas brincadeiras suaves e nas frases engraçadas essa manifestação infantil de quem sabe muito prezar as qualidades da vida e da amizade. Nos tempos em que tinha o bar na esquina da Santana Borges, logo acima de onde era o colégio Champagnat – hoje Centro Administrativo da Prefeitura –, o seu apreço pelo modo de viver assim, muito prestigiado pela sua individualidade espontânea, o sistema era o mesmo dos dias de hoje. Nada mudou. E Crosara tinha no lugar o cunhado, o garçom Chicão, por excelência um dos homens mais nobres que poderiam ser encontrados sobre a face desse mundo, hoje um mundo de muitas dificuldades e mazelas.

Versado em pescarias e caçadas, Crosara abandonou as armas de fogo e os cães de caça quando sofreu um acidente crotálico terrível, há cerca de trinta anos, quando estava no campo em busca das perdizes. Isso quase o fez perder a perna, após tratamentos intensivos. Ou a vida. Porém, saiu-se dessa com a presteza do grande mestre em comunicação. Continuou as pescarias e manteve um rancho para tal ofício, ali em beiradas do Rio São Francisco, região do Buritizeiro. O lugar se chama Sambaíba e carrega todos os lances de geografia do cerrado mirrado em torno de Pirapora, já tudo anunciando que é por ali mesmo que se chega ao Norte de Minas Gerais, talvez a Montes Claros e Januária. Era com a boca doce que o jornalista Luiz Crosara dizia que ali era ponto rico na piapara. E tinha lá as suas razões, embora ali o rio seja rápido demais, uma corredeira de profundidade grande, já assustando desde o barranco. Contudo, o pescador tinha apreço por isso e mantinha os olhos na divisa entre as águas e a sua relação binária com um horizonte sem fim. Na Sambaíba o horizonte era alongado e muito atravessado de voos de pássaros, vindos de todas as direções. Isso corrompe a imaginação e recria a luz transparente do silêncio.

E lá se vai o Crosara. Temeroso de contrair a virose que o levou, dela não conseguiu se livrar em decorrência de todas as modernidades que acompanham o sistema político e socioeconômico de um mundo que faz do temor caldo de cultura dos incautos e do pavor um modo de encher as burras dos predadores.

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