“Essa terra, senhor, é dadivosa e boa, nela em se plantando, tudo dá”. Este foi o célebre comentário enfatizado na carta que anunciava para o Rei de Portugal, Dom Manuel, o descobrimento do Brasil. A missiva não só se prestava a dar conta a El Rei do invejável patrimônio encontrado; tentava também descrever o éden visualizado e sua abundância nativa. O comunicado foi redigido por Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra de Pedro Álvares Cabral, ao aportar em Porto Seguro, no ano de 1500.
A narrativa incutiu na cabeça de muita gente o ilusório entendimento, dominante até os dias atuais, de que basta ter terra para que tudo brote, cresça, floresça, frutifique e a todos abasteça. Desde então, a influência dessa crença propiciou a exploração de tudo que se poderia obter do revestimento vegetal, do solo e do subsolo do território encontrado, servindo-se tão somente da extração dos abundantes bens naturais. A ganância maléfica dos exploradores muito tirou deste solo benfazejo, conseguindo-se, durante séculos, com poucos esforços e escassos investimentos, angariar riquezas inúmeras, sem que se pensasse em quaisquer reposições. Os recursos naturais foram se esgotando e a terra então explorada sofreu redução acentuada da fertilidade.
Este extrativismo predatório perdurou por quase 450 anos até que, em meados do século XX, impelidos por objetivos expansionistas e pela necessidade de se produzir alimentos que atendessem ao crescente consumo populacional do país, agricultores arrojados chegaram às terras do cerrado e se depararam com um novo horizonte: impressionantes extensões de terras onde a topografia plana se sobressaía grandiosa diante do cenário arbustivo rústico, cascudo e sinuoso. O ambiente rude e agreste aparentava sugerir desafios ao empreendedorismo dos migrantes. Na contrapartida, a vastidão territorial insinuava futuro promissor aos visionários.
Principiava-se então com desafios e ambições uma nova era para a agricultura brasileira: o ciclo da produção tecnológica de alimentos. As planícies, favoráveis à mecanização, estimularam iniciativas com as culturas da soja e do milho. Percebeu-se que a pobreza e a acidez do solo, inibidoras da boa produção dos grãos, poderiam ser sanadas com corretivos e fertilizantes especificados por meio de detalhadas análises da terra. As produtividades iniciais eram modestas, como no caso da soja, de apenas 20 sacos por hectare, e do milho, em torno de 50 sacos por hectare. As plantas teriam que ser melhoradas geneticamente em adaptação ao ambiente, imprimindo-lhes eficácia produtiva e resistência às pragas e moléstias.
As pesquisas técnicas e científicas passaram a indicar insumos adequados às condições físicas, químicas e ambientais das terras, que resultaram numa produção de maior quantidade de grãos em menores áreas. As inovações tecnológicas promoveram a expansão dos cultivos da soja e do milho e interferiram na introdução das lavouras de algodão, sorgo, trigo e cana-de-açúcar, entre outras, que na atualidade somam em áreas de cerrado cerca de 35 milhões de hectares. As produtividades de soja e milho saltaram dos 20 e 50 sacos por hectare dos tempos de antanho para 70 sacos e 200 sacos por hectare nos dias atuais, um crescimento de 350 e 400 por cento, respectivamente, e as demais lavouras têm um desempenho altamente compensador, somando-se a produção de todas elas no ano agrícola atual em 230 milhões de toneladas. O cerrado ainda inculto, subutilizado e apto ao crescimento de lavouras, é mais do que o dobro da área atualmente agricultada e possibilita garantir com as tecnologias empregadas produção de alimentos para o consumo interno e aumento das exportações nas escalas que estão sendo negociadas.
Após a incessante e bem-sucedida abertura das lavouras no cerrado, o Brasil saiu de inexpressiva posição no ranking dos países produtores de alimentos para um lugar destacado neste cenário, onde se rivaliza com os Estados Unidos e trabalha apressadamente para superá-lo.
(*) Consultor para Arrendamentos e Parcerias Rurais, ex-secretário municipal de Agricultura de Uberaba