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Na ponta do lápis – Edição 2 - O Quinto dos Infernos

Leandro Cardoso
Publicado em 20/08/2025 às 17:46
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Já ouviu alguém reclamar de imposto, dizendo “isso é um verdadeiro Quinto dos Infernos”? Pois saiba que essa frase tem lastro histórico. Literalmente.

No século XVIII, a Coroa Portuguesa cobrava 20% de todo o ouro extraído no Brasil. Era o chamado quinto — e precisava ser pago à risca. Do contrário, o sujeito podia acabar com o ouro confiscado, na prisão ou até na forca, como aconteceu com Tiradentes. E para onde ia esse dinheiro? Para a Europa. A colônia ficava com a mina. A metrópole, com o lucro. Daí veio o nome: “Quinto dos Infernos”. Era o tributo que ia embora. E deixava o povo com a raiva — e a conta.

Agora, segura essa: hoje, a carga tributária no Brasil já ultrapassa 33% do PIB. Ou seja, de tudo que o país produz, mais de um terço vira tributo. E, para muitos setores, com a reforma tributária que vem aí, essa conta pode subir ainda mais.

É isso mesmo: do “quinto” passamos para o “terço”. Um terço do inferno?

Mas, calma. Tributo, quando bem aplicado, cumpre função social. É ele que banca escola, hospital, segurança, infraestrutura. Ele é um instrumento poderoso de distribuição de renda e desenvolvimento. Mas, como tudo na vida, tributo é dose. E no Brasil a gente tem tomado uns goles pesados.

E nem é só o volume. É a confusão. Hoje, temos cinco tributos principais sobre o consumo: ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — cada um com suas regras, exceções, alíquotas e obrigações. É um sistema que pune quem tenta fazer certo. Um emaranhado que gera custo, incerteza e, não raro, injustiça.

A proposta da reforma tributária quer mudar isso. Unificar tributos, criar o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), padronizar alíquotas. Na prática, em vez de vários impostos diferentes, entra um sistema mais transparente: o imposto aparece direto na nota fiscal, igual já é feito na Europa.

Só que tem uma pegadinha: na média, a carga tende a se manter — mas alguns setores vão pagar mais, outros menos. O agro, os serviços, a indústria… cada um está fazendo conta para ver se vai sair no prejuízo ou no lucro. E aí começa o jogo político: quem grita mais tenta mudar mais.

Por isso, a reforma ainda vai render muito assunto. Mas uma coisa é certa: esconder o ouro já não dá mais. O cidadão quer saber quanto paga, por que paga — e, principalmente, o que recebe em troca.

Na próxima edição, a gente vai colocar na ponta do lápis quem ganha, quem perde e o que mudará com a reforma.

Porque, afinal, tributo pode até continuar sendo infernal, mas pelo menos que seja claro — e justo.

 Advogado, especialista em Direito Tributário pela FGV

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