O ornitorrinco é um mamífero que põe ovos. A fêmea poedeira não tem tetas e os filhotes mamam sugando e lambendo os poros de seu corpo por onde o leite é derramado. Possui um bico semelhante ao pato, que é uma ave. Ou seja, é uma ave que mama e um mamífero que bota. Um único dente lhe ocorre para ajudá-lo a eclodir da casca, serve exatamente para quebrá-la. Posteriormente, à luz da natureza, o dente desaparece. Trouxe o ornitorrinco aqui por entender que representa simbolicamente o que me ocorre agora: a metáfora. O diferencial humano em relação a outros seres vivos é a capacidade de pensar, raciocinar, daí ser racional. Creio que a metáfora é o maior expoente desse diferencial. O ornitorrinco é a contradição em si mesmo. É classificado por sua desclassificação, uma metáfora ambulante, não uma metamorfose. Podemos dizer que um amigo é um touro porque carrega um piano nas costas, é uma metáfora. Capitu e seus olhos de ressaca, outra metáfora. Esta, bem ilustre, porque cravada pelo talho do Machado que a eternizou. Não imagino a vida sem metáforas, deve ser muito sem graça. Quem não percebe sua finalidade não sabe por que a vida passa e nem o que passa nela. É como um pincel sem aquarela. Um pintor sem tela, um trem sem manivela. Lembro uma passagem belíssima do filme o Carteiro e o Poeta, onde o poeta, Neruda, explica ao carteiro o que é uma metáfora e, posteriormente, em outra passagem declama um poema ao carteiro que interpretou como se fosse um barco balançando na volta de suas palavras. Neruda, então, disse que ele tinha acabado de fazer uma metáfora. Orgulhoso, o carteiro concluiu: “pode-se dizer que o mundo inteiro, como o mar, o céu, a terra, as nuvens, é metáfora para outra coisa qualquer”. Fez como uma indagação, de forma a obter o consentimento do poeta. Concordo plenamente com Mario Ruoppolo, o carteiro, somos e tudo é metáfora para outra coisa. Volto ao ornitorrinco, figura bizarra. Tento uma metáfora com ele e algo me vem. Vive entocado e camuflado, não mama nas tetas, mas se vira, suga os poros. É bom de bico, tem couro grosso, pele oleosa e age a partir do crepúsculo, tem rabo e veneno nas patas, é uma espécie pouco ou nada ameaçada de extinção. Na Austrália é um símbolo nacional e por aqui, com estas características, o que é? Arrisque uma metáfora.
(*) Engenheiro