ARTICULISTAS

Arte: criador e criação

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 27/05/2025 às 18:29
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Um piano bem tocado parece que é a esplêndida beleza também do seu tocador. Mas o talento nem sempre está em harmonia com a mente do artista.  A arte também premia o caráter duvidoso. A aptidão voa e pousa no colo que não escolheu. É da natureza humana ser capaz de expressar o mais fausto sentimento sem sentir um só momento.

“A arte existe porque a vida não basta”, dizia Ferreira Gullar com a precisão de um poeta em sintonia com seu dom e seu viver. Não era um trapaceiro entre fantasia e realidade. “Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse ‘eu te amo’, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam”, escreveu Gullar.

A criação se desprende e se materializa livre do criador, torna-se instrumento para quem dela necessita e se abastece. Não importa mais se quem a moldou a merece, o que importa é que ela não pertence mais a ninguém, é de todos.

Richard Wagner, em sua suavidade e eloquência, é marco histórico para a música moderna com maravilhas como “Tristão e Isolda”, “Tannhäuser e o Anel de Nibelungo”. Na visão de muitos apreciadores e estudiosos da música de Wagner e de seu período, é um dos gênios agraciados pelo imenso dom e capacidade criativa superlativa. Mas nem por isso, com toda a magnitude de sua obra, escapou-lhe a marca de antissemita, nacionalista, racista, tornando-se figura central de exaltação nazista. Hitler o enaltecia como a expressão da raça superior. Wagner assim se manifestava: “Os judeus são incapazes de criar arte verdadeira. A música do futuro é alemã”.

Atualmente, ainda há resistência em Israel quanto à execução das obras de Wagner em público. Durante uma apresentação, nos anos 80, um sobrevivente do Holocausto subiu ao palco e mostrou suas cicatrizes de campo de concentração em protesto a uma peça de Wagner em andamento, levando à interrupção do concerto.

Voltando ao piano do início da crônica, cabe indagar: quantos pianos restaram em Gaza? Quantas mãos deixaram de dedilhar as teclas destroçadas pela desarmonia das bombas? Como o pianista de Varsóvia, lá do Gueto nazista, interpretado por Adrien Brody, caminharia pelos escombros da Palestina à procura de um piano destruído como o seu? 

 Luiz Cláudio dos Reis Campos

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