Com a mão, Camões deu luz à “Os Lusíadas”. Séculos se sobrepuseram na linha infinita do tempo. Camões resiste e existe com sua obra. Hoje, ele é prêmio pelo que nos premiou. Camões deu caminho a palavras e rimas na estrada que criou para viajar em mares nunca antes navegados. Camões é plural de quê? É plural literário da máxima expressão da língua lusitana. Destarte farei de cá minha parte e o repetirei: “Cantando espalharei por toda parte/Se a tanto me ajudar engenho e arte”. Há quatro anos premiou-se um brasileiro com a maior distinção da literatura portuguesa, que é o prêmio Camões. Em 2019, Chico Buarque foi escolhido pelo conjunto de sua obra que engloba música, teatro, literatura com pendores culturais de inquestionável talento em todas as áreas. Mais de meio século criando maravilhas com o nosso idioma. Uma vida dedicada à construção literária, irretocável. Sua obra é fonte que não se esgota. Como um olho d’água que brota à superfície, alarga-se em rio que transborda e alcança a imensidão do mar. Este é o velho Chico, intransponível, eterno, de unidade nacional. Permite-se navegável por um bom tempo. Indecifrável, mesmo de posse das melhores cartas náuticas. “Hoje o inimigo veio, veio me espreitar. Armou tocaia lá na curva do rio. Trouxe um porrete, um porrete a ‘mode’ me quebrar, mas eu não quebro não, porque sou macio, viu?!”. A democracia não pode estar a serviço de sua própria destruição, do triunfo do equívoco, da consagração do personalismo voluntarioso, da banalização e do escracho que vulgariza a arte e enaltece a mediocridade. A arte não se destaca por opções e preferências, mas, sim, pela capacidade de ser reconhecida, respeitada e admirada, independente de quem a crie. Chico Buarque eternizou-se em suas criações e será louvado tempo afora. É atemporal, imprescritível. “Amálias” que vem para o bem. Como o destino é fado, “um cheirinho à alecrim, um cacho de uvas doiradas, duas rosas num jardim”. Dia 24 de abril, às 16h, no Palácio Nacional de Queluz em Portugal, de mão em mão, Camões chega às mãos de Chico. Valeu esperar.
Luiz Cláudio dos Reis Campos
*texto escrito em 2019, atualizado para 2023