Olha pra qualquer lado e vê se não vê a culpa estampada a mirar você, perseguindo como sombra irremovível do seu destino, passado, presente e futuro. Ora se distanciando sem perder de vista, ora impregnada como tatuagem a marcar indelevelmente como propriedade eterna. Eis a culpa que se estabelece longe dos fóruns judiciais e dos tribunais, essa se dá na forma de orientação ou desorientação de cada um e sua amplitude e imputabilidade são a sentença secreta que cabe a cada um se penitenciar e, na medida do possível, administrar sua pena, dosada por si mesmo, cujo parâmetro é a sua própria consciência. Ela nos torna réus de nós mesmos. As culpas nos habitam desde o nascimento e podem ser permanentes até nosso ocaso, ou provisórias, dependendo do desenrolar de nossa história. Mas, uma ou mais, levaremos conosco para todo o sempre, até que a morte nos separe delas. Nós iremos, elas ficarão. Certo é que ausência de culpa é egoísmo e autoestima doentios, é furtar-se a se ver no outro, é ignorar a si mesmo, é alienar-se. A falta de culpa, portanto, já é culpa em dose dupla. Não tem desculpa. Aliás, só se desculpa a si mesmo quando já se foi desculpado. E a desculpa sincera é algo de difícil aferição, portanto só se sente plenamente desculpado aquele que desculpou-se e sabe das reais motivações para essa decisão. Não há margem de confiança numérica para relativizar a precisão da desculpa. Se o Mundo está cheio de culpa e é cheio de culpa, não há como viver sem ela. Ela é a mais honesta de nossas manifestações como seres diversos, distintos, idôneos, ladinos, perversos, sensatos, afáveis, grotescos, sublimes, bizarros, em todos a culpa está lá firme e forte a badalar o sino no campanário cerebral que abrigamos na cúpula de nossas mentes. Cada um leva consigo essa fatia de culpa que abstratamente permeia a todos e vai-se levando. São tantas as culpas que nem é de pecado que aqui se fala. Porque culpa não é pecado e nem o pecado. A culpa pertence e é pertencida por todos. É intransferível e nem se doa ou empresta. A culpa é sua e de mais ninguém. Porque somos todos culpados, sem desculpa.