Passaram-se anos e você mudou de tom. Desbotada, já não revela a vivacidade
Passaram-se anos e você mudou de tom. Desbotada, já não revela a vivacidade e a consistência densa das pinceladas que a matizaram, tornando-a especial em seu ton sur ton. Não se distingue mais por sua particularidade única. Empalidecida, chama atenção, não pelo brilho, pela tentativa inútil de voltar no tempo. Cadê as cores de flores de todos os cromos que a natureza a presenteou? Intensa, irradiava o vigor da rosa vermelha, exalava o aroma do jasmim lilás, plácida como o cravo branco e com olhar de folha seca. Era primavera em todas as estações. Mudou para ser igual ao que era em quimera de equivocada opção, furta-cor de imagem refratada, cambiante à luz. Perdeu o rubor natural que lhe dava brilho e revelava os pigmentos de sua candura e entrega. O que ficou foram contrastes, cores de prismas suscetíveis a alterações camaleônicas insustentáveis à clareza de quem a enxerga. Apenas no escuro se mantém inalterada, mas é nele que não podemos vê-la ou vê-las, porque já não é única. Com a dispersão não consegue perceber e encontrar seu feixe de luz. Foi minguando e acinzentando-se pela fumaça que retorna em sua atmosfera e condena a tibieza de suas convicções de agora, algo sem cor, corpo estranho que insiste em resgatar incolores versões que representam seu velho novo pigmento. É a cor da sombra que aponta os rastros por onde e como passa e com o que combina. A sombra de meio-dia sem cor e sem posição, sem inclinação, não sinaliza. É a sombra que não se vê. Não é o retrato pintado que assegura a permanente beleza das cores. Nós passaremos, o retrato continuará. Sien, você me deu pose e inspiração. Sua preservação depende de três cores: verde, amarela e vermelha. A forma como manuseá-las e tratá-las pode ser um bom sinal, caso contrário ficam essas minhas últimas palavras, "la tristesse durera toujours” (A tristeza durará para sempre). Adeus! Auvers-sur-Oise, 29 de julho, 1890. Esta é uma homenagem que presto pelos 125 anos de falecimento desse genial pintor, tentando interpretar suas inquietantes alucinações, imaginando como ele deixaria uma carta a Sien, mulher com quem viveu durantes dois anos. Sien posava como modelo para Van Gogh. Ambos deram fim às suas vidas.