Realmente vivemos em um mundo irreal
Realmente vivemos em um mundo irreal. Fiquei perplexo ao ler notícia na imprensa nacional informando que Eike Batista perdeu 1,8 bilhão de reais em um mês. Minha perplexidade não está na velocidade da perda de incontável quantia, mas na naturalidade com que o assunto é tratado. É como se esta cifra fosse habitual e corriqueira entre nós cidadãos e cidadãs mortais e de vida cotidiana infinitamente distante do que representa este imensurável dinheiro. Em 30 dias a quantia esfarelou e escapou dos cinco dedos do até então bilionário Eike. Aliás, tenho a sensação de que este Eike que nem é sheik é meio que um duende ou uma criatura criada com uma varinha de condão. Parece uma entidade que emerge inesperadamente de uma profundeza oceânica inviolável, convive como um de nós e ao sabor das trapaças da sorte brinca de dinheiro como quem joga futebol com bola de papel feita com folhas de caderno espiral. Incrível em um país com diferenças abissais de distribuição de renda presenciarmos estas despropositais manobras e movimentações especulativas diante de uma bolsa de valores humanos tão precária se comparada à Bolsa de Valores que Eike sobe e desce no plano cartesiano de gráficos diários de valorização e desvalorização monetária. A fortuna de Eike está agora avaliada em 170 milhões de reais. Diante da enorme perda pode ficar a sensação de que ele empobreceu. Trágico se não fosse cômico. Onde foi parar este dinheiro? O que daria para fazer com ele? Com 1 bilhão e oitocentos milhões pode-se, por exemplo, erguer vinte e cinco mil unidades de casas do “Minha Casa Minha Vida” ou 40 hospitais de porte médio ou adquirir cinquenta mil viaturas de polícia. Municípios com arrecadação semelhante a Uberaba teriam que arrecadar durante três anos sem gastar um centavo. Em um mês Eike perdeu o suficiente para melhorar a qualidade de vida de milhares de pessoas. O Brasil é um dos países de distribuição de renda das mais injustas e estes dados tornam claros que a concentração de renda prejudica qualquer PIB, inclusive os de boa safra.
Fica evidente que o fator econômico alija milhões de seres humanos incômodos à engrenagem do capital. O que importa são as cifras dos PIBs. Sobram cidadãos apinhados nos ônibus, desolados nas calçadas, abandonados à própria sorte, porque deles o mercado não necessita. O argumento para se justificar tamanha exclusão baseia-se na mão de obra qualificada indispensável para qualquer área de trabalho. Isto faz crer aos “não qualificados” que eles são os próprios responsáveis por suas desgraças. Enquanto Eike perde quase dois bilhões de reais, o Brasil vai acumulando perdas: milhões de jovens para o crack e outras drogas, milhares são assassinados, perde para o analfabetismo com índices crescentes, perde para o tráfico e o crime organizado, perde na saúde que agoniza. Certamente o dinheiro perdido de Eike não será encontrado em nenhum programa social que minimize os problemas aqui citados. Este dinheiro, onde foi parar, ninguém sabe ninguém viu. Não nos surpreendamos se pintar futuramente notícia assim: em um passe de mágica Eike Batista recupera o dinheiro perdido, 1,8 bilhão volta para o seu bolso. E será, sem dúvida, mais uma notícia qualquer.
(*) Engenheiro civil